Surgido em 1886 como data que marcou o início da vitoriosa greve proletária de Chicago (EUA) pela jornada diária de oito horas de trabalho, durante vários momentos ao longo desses 136 anos serviu de inspiração para lutas e enfrentamentos. Em termos mundiais, desde a última grande leva de lutas autônomas entre a segunda metade da década de 1970 e a primeira metade da década de 1980, paulatinamente essa data tão importante para nossa classe vem sendo recuperada pelo capitalismo sob diferentes formas.
Por um lado, os capitalistas/direita do capital (burgueses e gestores), percebendo que era preciso neutralizar o potencial de lutas do Primeiro de Maio, o transformaram no “Dia do Trabalho”. Um feriado que tornava impossível ser um dia de paralisações e manifestações nos locais de produção.
Por outro lado, a esquerda do capital (social-democracia, sindicalistas) o transformaram no “Dia do Trabalhador”. Um dia de festa como outro qualquer, sem nenhum significado, um autêntico show, com sorteios de prêmios, apresentações de artistas da moda, e quando muito, discursos demagógicos e aborrecidos sobre questões da politicagem do momento.
Da conjuntura que permitiu o surgimento dessa data tão importante para a classe proletária não restou nem mesmo a memória. Ainda assim, motivos para a retomada das lutas não faltam.
A conjuntura nesse Primeiro de Maio de 2022
Em termos de Brasil, assistimos a uma antecipação da campanha eleitoral em que todas as forças políticas do regime democrático se dedicam a fechar acordos e conchavos para melhor se colocarem para uma autêntica “caçada” ao voto da população. A propalada Reforma Trabalhista além de não ter gerado os empregos que foram prometidos por governantes e empresários, ainda tornou mais instáveis os empregos do proletariado em geral. O poder de compra dos assalariados diminui acentuadamente com os empregados do Estado sem reajustes há mais de cinco anos e o salário-mínimo reajustado abaixo dos índices oficiais de inflação sendo corroído de forma galopante pelo maior índice de inflação dos últimos 27 anos, que encarece alimentos, moradia e todos os itens necessários para a sobrevivência.
Em termos mundiais, a guerra na Ucrânia colocou em novo patamar os choques entre os grandes blocos capitalistas abrindo uma crise forte com várias dimensões especialmente: a) migratória, com uma massa de milhões de deslocados das zonas de guerra em direção à Europa e à Rússia; b) alimentar, com a interrupção do fornecimento de grãos; c) energética, com a redução do fornecimento de gás; d) financeira, com as sanções das democracias ocidentais à Rússia e as contramedidas desta última no sentido enfraquecer a hegemonia do dólar no mundo, resultando em elevação da inflação mundial; e) armamentista, com aumento das tensões em várias partes do globo (Mali, Bálcãs europeus, Oriente Médio, Pacífico sul, Cáucaso euroasiático e Turquia).
Ainda não é possível saber com exatidão os desdobramentos da guerra, mas já podemos afirmar que as consequências econômicas serão (já estão sendo) mundiais e atingirão sobretudo a vida daqueles que vivem do próprio trabalho.
Porque o proletariado está ausente?
Considerando que a cena política articula e expressa o conflito entre as classes, como pode o proletariado estar ausente? Como pode nossa derrota ser tão acachapante a ponto de a burguesia fazer o que bem entende da forma que bem quer? Não seria possível atribuir um único motivo para essa realidade, tampouco este Boletim pretende dar respostas terminativas a uma questão tão complexa. No entanto, consideramos importante destacar dois fatores que contribuem para explicar a situação atual das coisas. O primeiro deles seria a decepção com partidos e organizações da chamada esquerda. No Brasil podemos citar a trajetória do PT que foi o partido com maior enraizamento no proletariado nas duas décadas do final do século XX e início do século XXI, e que para muito além de prometer fazer um “governo dos trabalhadores” quando “chegasse lá”, tinha uma “aura” de honestidade e purismo, de que fazia política limpa e sem acordos espúrios, ou seja, aparecia como diferente. Para boa parte da base proletária do partido a forma como o caráter antiproletário do PT se revelou foi uma explosão. Uns tantos passaram a negar a política, outros, foram para a direita do capital.
Citamos o PT no Brasil, mas exemplos similares atuais se repetem ao redor do planeta sempre tendo a social-democracia como protagonista. Sanders nos EUA, Syriza na Grécia, Podemos na Espanha e Boric no Chile são alguns deles, sem falar do desmoronamento do PS francês, do Partido Trabalhista Inglês e da chamada “onda rosa” na América do Sul. Não à toa temos um trágico avanço da direita em nível mundial.
Ao mesmo tempo, o capitalismo também se reorganizou. Dentre várias outras mudanças, ele se “plataformizou”. Criou uma nova forma de exploração, ainda mais cruel: sem nenhum vínculo ou direito trabalhista, sem jornada ou férias definidas, sem ambiente de trabalho comum, sem colegas de trabalho.
Desta forma criou a materialidade que permite o surgimento de uma distorção do real (ideologia), fazendo que o proletário não se identifique como tal. O proletário “plataformizado”, tem a ilusão de trabalhar sem patrão, imagina ser um empreendedor. Está sozinho, desvinculado de seus iguais e o tempo todo exposto aos influenciadores das redes sociais (seu ambiente de trabalho) que em sua maioria propaga uma visão de mundo reacionária de extrema direita. Quanto mais ele “cresce” em seu trabalho, mais essa realidade se agudiza.
Some-se a isso a constatação de que o pouco engajamento social que se percebe hoje por parte dos proletários não possui caráter de classe, pois está dissolvido em lutas reformistas contra o racismo e sexismos de várias espécies. Tais movimentos fragmentam o proletariado e canalizam demandas genuínas para o campo das leis, quase sempre legitimando o aumento do poder punitivo do Estado contra condutas retrógradas, como se o sistema penal não fosse seletivo e classista.
É tarefa urgente trazer para a luta as parcelas do proletariado que se desiludiu com a social-democracia, que naufragou em ilusões virtuais e identitárias, e principalmente a parcela que acredita que as instituições capitalistas são instrumentos de mudança radical.
“O trabalhador só se sente à vontade no seu tempo de folga, porque o seu trabalho não é voluntário, é imposto, é trabalho forçado.” — Karl Marx
Com tantos motivos, como seria um Primeiro de Maio de lutas?
No Brasil, ao invés de ficar passivamente aguardando eleições ou apoiar movimentos de impedimento de governantes – o desgastado “forismo” -, priorizar o surgimento de uma luta para a reversão de todos os ataques proferidos contra o proletariado desde os governos da social-democracia (PSDB e PT/PCdoB) até o governo Bolsonaro. Um movimento que barrasse as medidas regressivas que esse governo adota em todos os âmbitos e que expressasse as reivindicações próprias dos vendedores de força de trabalho.
Internacionalmente, não apoiar nenhum lado em guerras entre capitalistas, se opondo tanto ao pacifismo hipócrita/ingênuo quanto ao militarismo genocida. Concretamente nesse conflito na Ucrânia, promover a solidariedade ativa com os refugiados de guerra do lado ucraniano e com aqueles que se opõem à guerra na Rússia, e ficar de prontidão para combater tentativas de “demonização” de culturas e povos como se presencia na promoção da “russofobia” pela grande mídia.
“O trabalho é a melhor e a pior das coisas: a melhor, se for livre; a pior, se for escravo.” — Émile-Auguste Chartier
O que fazer no Primeiro de Maio?
Enquanto o proletariado continuar ausente da cena pública da política, sem lutar direta e abertamente por seus interesses, não faz sentido tentar promover grandes atos/eventos públicos. No entanto, cabe às minorias proletárias com consciência plena de seus interesses imediatos e históricos não permitir que essa data seja apagada.
É preciso resgatar as lições que nossa classe aprendeu ao longo de sua existência, principalmente nos momentos em que questionou radicalmente o modo de produção capitalista. Se em 1886 conquistamos a jornada de 8 horas, por que não conseguimos reduzi-la depois de mais de um século, mesmo com tantos avanços tecnológicos? Como seremos lembrados daqui a 136 anos, e o que estamos fazendo enquanto classe por uma transformação planetária radical? Questionamentos como esses podem ser bons pontos de partida.
Usando a criatividade podemos reunir e confraternizar com nossos iguais por meio da realização de atividades culturais, de formação, e/ ou de esclarecimento político com o objetivo de ampliar forças para os enfrentamentos necessários. Essa seria uma pequena, mas importante atitude, para uma data tão importante não passar em branco.♟