Educação é mercadoria

Educação é mercadoria

Uma das diversas demagogias proferidas por diversos setores da social-democracia, seja a partir de seus partidos políticos ou determinados movimentos sociais, é a simbólica negação “Água não é mercadoria”; “Moradia não é mercadoria”; “Saúde não é mercadoria”; assim como é sagrada a educação: “Educação não é mercadoria!”, gritam sindicatos, CA’s e DCE’s. Sendo assim, a mercadoria que sempre resta ao capitalismo para comprar e vender é a força de trabalho do próprio homem, o que ajuda a tornar evidente que essa dita esquerda é a favor de “direitos sociais”, mas não é contra a exploração do homem pelo homem.

Nesse sentido, antes de criticar o óbvio do governo Bolsonaro em relação à educação, é necessário relembrar algumas medidas da era PT, sobretudo a Reforma Universitária do governo Lula, implementada por medidas provisórias e projetos de lei em 2004/2006, e o REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades), em 2007. Da mesma forma que o atual Future-se, o REUNI se deu por adesão, com verbas condicionadas por produtividade e desempenho (ENADE). As universidades receberiam determinadas verbas apenas se apresentassem um projeto para adentrar no programa. Assim, não é novidade colocar em xeque a suposta autonomia das universidades, condicionando suas existências por meio do controle das verbas, a decisões de cunho político e até mesmo científico (o que deve, como e para que ser pesquisado). A liberação dessas verbas, todavia, era ainda condicionada ao cumprimento de metas produtivistas, intensificando a relação entre mercado e educação. As metas de Lula eram diversas, incluindo aumentar a relação de 10 alunos por professor para 18 (assim, espera-se dobrar o número de alunos sem contratar novos professores.)

De forma geral, a abrangência dessa expansão da educação é limitada e restrita, já que na verdade trata-se do aperfeiçoamento da força de trabalho brasileira diante da dinâmica internacional do capitalismo, sendo em relação a setores da produção com quadros técnicos e superiores, apenas. Ou seja, de Lula a Dilma, os programas são todos voltados para otimizar e atualizar a exploração e produção brasileira (Ciências sem fronteiras; PRONATEC-Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) mas também para fomentar especialmente o ensino privado no país (PROUNI – bolsa paga em faculdade privada) e diversas outras isenções e financiamentos para a educação particular. Não por acaso, o tema da redação Enem de 2010 foi “O trabalho na construção da dignidade humana”.

Diante desse cenário, fica evidente que todas as reclamações do atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, já estavam basicamente contempladas há pelo menos dez anos. Assim, o que o bolsonarismo quer é reorganizar e reagrupar esses esquemas mercadológicos – já projetados e executados pelo PT – para novos arranjos de mercado. O atual governo não está criando ou inventando mercantilizações, ele está lutando para controlar as que foram criadas pela era PT. Nesse período, no Brasil inteiro surgiram diversas iniciativas do movimento estudantil, paralelas e em conflito com o governismo da UNE/UBES, contra a Reforma Universitária e ao REUNI do governo Lula. Foram comitês, assembleias e até mesmo ocupações de reitoria que rejeitaram essas medidas. Nesse sentido, a atual acusação bolsonarista que diz sermos todos cúmplices do PT é falsa. Na verdade, nunca houve qualquer resistência de direita a esses ataques do PT, sendo que era justamente o movimento estudantil independente e combativo que resistiu aos ataques petistas. Além disso, foram pesquisadores das próprias universidades que produziram artigos, dissertações de mestrado e teses de doutorado denunciando a Reforma Universitária e o REUNI.

Assim, o que nem o bolsonarismo e nem petismo hoje dizem é que o discurso sobre educação do atual governo é exatamente o mesmo que o dos anteriores, esses resumidos em três eixos (de acordo com documentos oficiais da época PT):

1 – O Estado não tem recursos suficientes para melhorias das universidades públicas e federais;
2 – A universidade, em sintonia com a revolução científico-tecnológica, precisa interagir com o mercado a fim de ampliar suas fontes de verba;
3 – A universidade atende a privilegiados, por isso seus altos gastos são injustos socialmente.

Esses três itens, recorrentes nas falas em defesa do Future-se, são diagnósticos elaborados pelo governo PT. Ou seja, mentem bolsonaristas e mentem petistas, já que ambos são fiéis às diretrizes do Banco Mundial para educação, conforme demonstram diversas pesquisas e reportagens que analisam os programas do PT e as orientações do BM.

Em seguida, diante desse diagnóstico, as medidas apontadas pelos governos PT eram:

1 – Diversificar fontes de financiamento e adotar o ensino a distância;
2 – Promover Pesquisa e Desenvolvimento em sintonia econômica e jurídica com o mercado (“Lei de Inovação Tecnológica”), com reordenamento jurídico das federais para poderem obter esses recursos do mercado;
3 – Estabelecer as “Parcerias Público-Privadas/PPPs”, na medida em que o governo Lula entendia que era necessário contratar serviços privados, pois essas empresas teriam gastos com mais eficiência do que as públicas.

Diante disso, é importante lembrar que os maiores elogios à era PT, salvo ao importante mas limitado Bolsa Família, são todos direcionados ao mundo educacional: expansão das universidades e institutos federais, sistema de cotas para ingresso no superior, bolsas e financiamentos para vagas no superior, etc. Ou seja, na verdade todas são medidas concentradas somente em formação técnica e profissional para indivíduos já previamente selecionados, as que se tornaram o principal saldo político e eleitoral do PT.

É nesse sentido que é historicamente coerente a explícita admiração do atual ministro pela EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), elaborada pelo então ministro da Educação de Dilma Rousseff, Fernando Haddad. Já também na época, em 2007, não apenas o movimento estudantil mas também os trabalhadores do SUS denunciavam essa proposta de inserção de “Organizações sociais” (empresas privadas) para atuarem dentro dos hospitais universitários como uma medida de privatização da saúde pública. Hoje a EBSERH é a referência para o Future-se.

O aparelho escolar tem seu papel na reprodução das relações sociais de produção quando contribui para formar a força de trabalho; b) contribui para inculcar a ideologia hegemônica; tudo isso pelo mecanismo das práticas escolares; c) contribui para reprodução material da divisão de classes; e d) contribui para manter as condições ideológicas das relações de dominação.” — Maurício Tragtenberg

Através do Future-se é prevista a transferência da administração da Universidade para Organizações Sociais, a entrega do financiamento da Educação para o mercado de capitais, liquidação de bens imobiliários da União, criação de instrumentos de denúncia e censura (que dão base para o Escola sem Partido na Educação Superior). As OSs passariam a participar do controle da gestão das linhas de pesquisa dos professores, dos departamentos, cursos e laboratórios. Assim, quando uma universidade adere ao Future-se, na verdade, ela retorna ao passado. Se trata do descompromisso do Estado com a universidade. Mas não apenas isso, através do projeto surge uma plataforma para que o capital financeiro e investidores venham a ser os mantenedores das universidades. É prepará-la para que esteja legalmente disponível para “captar” recursos que já estejam condicionados pelos lobbies das finanças, servindo ao capital empresarial e financeiro. Tanto Weintraub quanto Guedes são associados ao mercado financeiro. Guedes é um investidor.

Quem conhece melhor as máquinas são aqueles que as fazem funcionar diariamente. Pedimos-lhes que não usem apenas os braços e as mãos, mas também os cérebros.” — Kazuo Ishikure – presidente da transnacional Bridgestone

É válido relembrar que as empresas privadas já estão altamente vinculadas às IFES, também patrocinam pesquisas, também levam patentes, concedem/usam estruturas e estagiários/as. Assim, não se trata apenas da cobrança de mensalidades, do desvencilhamento entre Estado e ensino superior, mas de dar pleno poder às empresas privadas e ao capital financeiro de direcionar a Pesquisa e o Ensino, através de metas, do financiamento (capacidade do professor em captar recursos) e das ouvidorias e avaliações de satisfação dos alunos (censura e controle, penalizando professores, TAES e estudantes que sejam inimigos políticos em potencial). Tal proposta surge oportunamente em contexto de esgotamento dos recursos públicos, com maior ênfase a partir da EC 95, como suposta solução para o financiamento das IFES. Ou seja, jogam os estudantes e profissionais ao mar e tentam vender a boia em oferta.

Diante disso, das atuais lutas na educação que têm palco nas IFES, e das que virão também nos estados e municípios, é fundamental a solidariedade entre todas categorias e regiões, mas também o rompimento com as burocracias estudantis e sindicais, que fragmentam aqueles que lutam e os desencorajam. Devemos então criar nossas próprias instituições de luta, unindo estudantes, professores, técnicos, terceirizados, moradores, etc. Assim, aprendemos sobre a sociedade do futuro na forma que organizamos as nossas próprias lutas. ♟