No dia 11 de abril a Scotland Yard (polícia do Reino Unido), devidamente autorizada, entrou na Embaixada do Equador em Londres e prendeu Julian Assange. A autorização partiu do embaixador equatoriano, que seguia ordens expressas do presidente Lenin Moreno – social-democrata histórico e líder de uma das alas em que se dividiu o “socialismo do século XXI” no Equador – que o havia comunicado que Assange teve sua cidadania equatoriana cassada, suspendendo o asilo político concedido por seu antecessor, Rafael Correa, desde junho de 2012. Além desse, há outros casos notórios de perseguição internacional por regimes democráticos, tal como o ex-técnico da CIA/NSA, Edward Snowden e a ex-militar, Chelsea Manning, então Bradley Manning.
Julian Assange fundou em 2006 a Wikileaks, uma organização de mídia multinacional com uma biblioteca associada. Especializada na análise e publicação de grandes conjuntos de dados de materiais oficiais censurados ou restritos envolvendo guerra, espionagem e corrupção. Já publicou mais de 10 milhões de documentos e análises associadas. Nas palavras de Assange: “Wikileaks é uma biblioteca gigante dos documentos mais perseguidos do mundo. Damos asilo a esses documentos, os analisamos, os promovemos e obtemos mais.” Para as democracias, este trabalho jornalístico básico, de relevância mundial e premiado em vários países se equipara a espionagem e hackeamento. Após sua prisão, Assange foi rapidamente condenado pela democracia inglesa por violação de fiança por pedir asilo em 2012, e sentenciado a 50 semanas de prisão. Decisão que explicitamente ignorou o Grupo de Trabalho da ONU sobre detenção, que afirmou que Assange foi detido arbitrariamente. Na prisão da democracia inglesa, Assange tem sido torturado com injeção de medicamentos, apresentando claros sinais de piora em suas condições de saúde. E o cerco democrático a Assange se aprofunda com o desarquivamento pela democracia sueca de um nebuloso processo de estupro e o pedido da democracia estadunidense para extraditá-lo aos EUA, onde o aguarda um leque de acusações para impedir definitivamente a continuidade de seu valioso trabalho, criminalizando-o. Vale lembrar que o governo do social-democrata Obama processou mais denunciantes de crimes estatais do que o de todos os outros presidentes somados. O governo Trump apenas aprofunda o ataque contra quem expõe crimes de guerra e abusos diplomáticos ao se esforçar para eliminar a proteção a fontes jornalísticas e à liberdade de imprensa global.
Edward Snowden, com a própria fuga já planejada, pois sabia o que representava o seu ato, apresentou ao mundo diversos programas dos EUA para um mega projeto de espionagem global, de civis, empresas e de políticos profissionais. Sua denúncia da vigilância em massa transnacional foi acompanhada da entrega de dezenas de milhares de documentos ultra-secretos aos jornalistas Laura Poitras, Barton Gellman e Glenn Greenwald (o mesmo que está revelando o caráter eleitoreiro da Operação Lava-Jato no Brasil). Snowden foi acusado pelo governo dos EUA de ter roubado propriedade governamental além de duas acusações por violação à Lei de Espionagem. Se extraditado e condenado, Snowden pode ter de cumprir 30 anos de prisão. Em sua busca por refúgio, Snowden viajou para Hong Kong, depois a Moscou, quando ficou impedido de sair do aeroporto por ter seu passaporte revogado pelos EUA. Em agosto de 2013 recebeu asilo formal do governo russo e lá passou a residir e trabalhar.
Chelsea Manning tornou-se uma das presas políticas mais conhecidas da atualidade. Aos 28 anos, quando servia no Iraque, Manning – Analista de Inteligência do Exército Estadunidense – divulgou centenas de milhares de documentos confidenciais ao WikiLeaks para revelar crimes de guerra e violações de direitos humanos, dando uma imagem mais clara das guerras do Iraque e do Afeganistão ao público e tirar da obscuridade o modo como os EUA conduzem a diplomacia no mundo. Acusada e condenada pelas Leis de Espionagem, Fraude e Abuso de Informática e por violações militares, Manning está cumprindo 35 anos de prisão, a punição mais longa a um denunciante na história dos EUA. Suas revelações inspiraram a Primavera Árabe e forçaram os EUA a retirar a maioria de suas tropas do Iraque em 2011.
“Eu acreditava que, se o público em geral, especialmente o público estadunidense, tivesse acesso às informações [contidas nos Diários de Guerra do Iraque e do Afeganistão], isso poderia desencadear um debate interno sobre o papel dos militares e nossa política externa tanto em relação a Iraque e Afeganistão, quanto em geral.” — Chelsea Manning
Esses três casos guardam em comum o fato de terem sido pessoas que decidiram enfrentar as consequências do ato de abrir e entregar para a sociedade mundial o conteúdo de diversas caixas-pretas. Ou seja, expuseram para o mundo esquemas e operações terroristas e criminosas de Estados e empresas, até então classificadas como secretas, com seus respectivos documentos comprobatórios. Todos estes atos de coragem e heroísmo tiveram a marca da completa impessoalidade. Isto é, até hoje não se detectou qualquer projeto pessoal ou corporativo (eleitoral, sindical, ONGueiro, etc.) por trás das atitudes de Assange, Snowden e Manning.
Diferentemente de Cesare Battisti, nenhum deles foi ou é revolucionário proletário. São “cidadãos do mundo”, que merecem a solidariedade proletária por praticarem a única coisa valiosa em uma democracia: o conjunto de liberdades civis e políticas. Tais liberdades existem para que o capitalismo possa conhecer segredos que ele mesmo cria, pois sempre existem facções capitalistas atuando à margem das leis burguesas. Ao mesmo tempo, essas informações são de interesse público e interessam a todos os movimentos em luta pelo globo, pois é possível extrair delas aprendizados importantes para as lutas dos oprimidos e explorados.
“Megacorporações da Internet têm recursos diferentes de megacorporações como Boeing, Goldman-Sachs, Chevron ou Monsanto: seu poder provém de deter a propriedade da infraestrutura de nossas comunicações. No entanto, em sua essência, as megacorporações da internet não são fundamentalmente diferentes. (…) acumulam poder suficiente para participar do grande jogo da geopolítica global. Em outras palavras, elas se tornam viáveis para a operação do império.” — Julian Assange
A democracia brasileira também possui muitos presos políticos, basta citar o caso dos “23” das jornadas de Junho de 2013 e a injustiça grotesca cometida contra Rafael Braga “o guerrilheiro Pinho Sol”. Contudo, temos um caso que pode confundir muitas pessoas: Lula. Antes de entrar nas particularidades desse presidiário, é preciso fixar bem o conceito de preso político: toda pessoa que é presa por 1) defender ideias que ameaçam o Estado ou sua autoridade ou um regime político existente; 2) tentar levá-las à prática (militância). Evidentemente, o ex-operário e ex-presidente não se enquadra nesse conceito firmado internacionalmente. Lula é um “político preso”, ou um “preso por razões políticas” mesmo que juridicamente os fundamentos da prisão sejam falsos ou forjados. Trata-se de um político profissional, condenado em um processo cheio de vícios e ilegalidades que merece ser anulado de imediato, assim como o de tantos outros detentos que compõe a trágica realidade carcerária do Brasil, realidade que só piorou durante seu governo. Sua prisão foi decretada por interesses político-partidários de oposição com o apoio de setores do Poder Judiciário. Houve também um grande protagonismo político da Polícia Federal, órgão que foi “destravado” graças aos grandes investimentos que os próprios governos do PT realizaram e que, à época da condução coercitiva e do grampo ilegal praticados contra o líder petista, era chefiada por um ministro também petista. O ato de se entregar ao cárcere também foi motivado por seus próprios interesses políticos. Em recente entrevista Lula afirmou que só concordou com sua detenção porque seus advogados lhe garantiram que participaria das eleições de 2018. Assim, tentou transformar uma aparente injustiça em um espetáculo de marketing político visando sua promoção pessoal, iniciando desde então sua campanha presidencial.
Durante toda sua trajetória, Lula e seu partido agiram para legitimar, fortalecer e ampliar as instituições repressivas do Estado Capitalista. Considerá-lo um preso político seria um desrespeito com todos aqueles que já foram perseguidos/as, detidos/as e assassinados/as por expor ou enfrentar de fato as engrenagens perversas do capital. Lula, pelo contrário, foi um dos protagonistas do cenário global que Snowden, Assange e Manning expuseram, e não uma vítima. Se o PT quer um candidato solto, que marque atos e manifestações para pautar problemas explicitamente eleitorais e não use manifestações sociais que já sofrem oposição midiática, civil e militar. Por isso e muito mais, conforme demonstra a linha editorial do Boletim Batalhar, não se lerá aqui nenhum apoio à palavra de ordem “Lula livre”. Devido à complexidade que essa trama atinge hoje o Brasil, na edição seguinte demonstraremos a atitude das principais expressões políticas acerca da relação entre democracia e presos políticos. ♟