Quatro tipos de oposição ao governo Bolsonaro

Quatro tipos de oposição ao governo Bolsonaro

A experiência histórica nos ensina que governos de extrema direita suscitam fortes oposições às suas políticas, logo a questão de fundo se desloca para qualificar que tipo de oposição serve a quais interesses de classe. Neste sentido, é possível identificar quatro oposições de qualidades distintas.

O primeiro campo opositor é a direita do capital (setores do PSL de Bolsonaro, PRTB de Mourão, PSDB, DEM e o “Centrão”). Realiza uma oposição fisiológica. Historicamente a serviço das oligarquias, mercado financeiro e dos aspectos mais corporativistas do funcionalismo estatal, é fiel guardião desses interesses. Tudo fará para demonstrar que a atual equipe de governo não é competente o bastante para implementar a agenda do capital. Para isso, se utilizará da burocracia estatal sobre a qual tem domínio, e inflará o descontentamento de setores do empresariado. Também tentará minar, com o apoio da mídia corporativa (grupo Globo e Folha de São Paulo), a popularidade do novo governante, para submetê-lo por completo àqueles interesses. São os verdadeiros donos do poder institucional, seja quem for o Presidente da República. Deixará de ser oposição se for contemplada com cargos.

A oposição da direita tradicional se concentra em ocupar maiores fatias na máquina estatal, seja propondo a troca de pessoas em cargos chave do Estado – aqueles com real poder de decisão ou os que gerem altas somas de recursos orçamentários – seja estabelecendo canais de acesso privilegiado a quem ocupa tais cargos, ou seja, trabalha para ter a hegemonia do lobby. Não propõe trocar a política geral do governo, com o qual concorda e sustenta, mas apenas mudar ênfases, estilos e ritmos. Historicamente, são os inimigos declarados do proletariado.

O segundo tipo de oposição é o da esquerda do capital (PT, PCdoB, PDT, intelectuais progressistas e instituições sindicais e sociais que lhes sustentam). Eleitoreira por natureza e tentando entender onde perdeu a capacidade de manipular o proletariado a seu favor, o que lhe custou a derrota nas eleições presidenciais. Essa oposição tem uma dupla tarefa. Precisará resgatar a credibilidade perdida junto à maioria dos capitalistas, apresentando-se como a mais competente para gerir as contradições do capitalismo, e também terá que voltar às ruas para recuperar a confiança do eleitorado, mas agora sem a “caneta do Diário Oficial”, fundamental nos 14 anos em que esteve no poder.

Para realizar a primeira tarefa, este conjunto de instituições social-democratas tentará provar aos capitalistas que são os únicos capazes de controlar o proletariado em luta, institucionalizando suas pautas e garantindo que a lógica do Estado, da extração de mais-valia e da necessidade dos sindicatos não seja abalada. Para tal, é preciso que o proletariado esteja, minimamente, descontente. Para a segunda tarefa, deverá explorar ao máximo o verbalismo medieval e o despreparo do Governo Bolsonaro, repercutí-las e realizar críticas superficiais e eleitoreiras, ao mesmo tempo tentar propagar um saudosismo em relação ao período 2003-2016, para mostrar que é preciso derrotar o atual governo nas próximas eleições para que, com eles, o Estado volte a “proteger” o proletariado com uma delirante agenda nacional-desenvolvimentista aos moldes de Vargas e Roosevelt.

“[…] para analisar a conjuntura, precisamos sempre levar em consideração os eixos centrais que comandam o funcionamento da nossa sociedade: as contradições do sistema capitalista. Acontecimentos, atores e correlação de forças são, ao mesmo tempo, produto e produtores de uma realidade que, no capitalismo, é orientada pela obtenção e acumulação de lucros nas mãos dos donos dos meios de produção que se apropriam da maior parte da riqueza produzida pelo trabalho coletivo da sociedade. É em torno desta contradição central que, a nível econômico, político e da formação da consciência social, se constroem blocos de interesses.” — Emilio Gennari

Tarefas difíceis se considerarmos o momento de fragilidade da social-democracia aqui e pelo mundo. Lideranças presas por corrupção, diminuição da inserção na máquina do Estado (governos e parlamentos) e sindicatos enfraquecidos por reformas liberais. Diante dessa realidade, não será surpresa se este campo realizar, cada vez com mais profundidade, um autêntico “vale-tudo” para voltar a ocupar o poder de Estado a qualquer custo sob pena de ter sua existência ameaçada. Assim, a tendência é que realize uma oposição bem mais conservadora e tímida do que a que fez contra os governos Collor e FHC, agora centrada no resgate de pautas identitárias que já se mostraram efetivas em mobilizar parte do eleitorado contra o candidato eleito.

Até o momento, Ciro Gomes é o melhor exemplo de tentativa de recolocar a social-democracia com prestígio na cena pública da política. Baseado no chamado “progressismo” – pensamento político-social de inspiração desenvolvimentista – ideologia que procura congregar parcela do empresariado (progressista), políticos (progressistas), sindicalismo e movimentos sociais moderados. Ou seja, uma tentativa requentada de retomar o velho pacto social finalmente realizado no Brasil pelo PT e quebrado em 2016. Ciro quer mostrar aos capitalistas que pode unir o país em favor do “desenvolvimento”. Isto explica seu aceno ao governo Bolsonaro, autorizando seu assessor econômico, Mauro Benevides, a ajudar na elaboração da proposta de Reforma da Previdência do governo. E sinaliza publicamente seu compromisso com a continuidade de acumulação de capital pelos capitalistas. Vale destacar que a decadência do PT provocou um realinhamento de alianças internas neste campo, com setores como PCdoB e PSB se aliando ao PDT. O primeiro, via instituições estudantis degeneradas que controla com mão de ferro, tem montado palanque para Ciro. Governadores de PCdoB e PSB enfatizam ser possível administrar “responsavelmente” sem cortar serviços à população. A ala esquerda desse campo (PSOL) tem se mostrado “rebelde” com demonstrações de que fará oposição ao governo sem alianças e centrado em pautas comportamentais. Como todo oportunismo, o conjunto deste campo, tem como característica mais estável a instabilidade dessas movimentações e posições.

Burguesia, parlamentarismo, partidos políticos, todos se condicionam mutuamente. Cada um é indispensável à existência dos demais. O conjunto demarca a fisionomia política do sistema burguês, da época capitalista-burguesa.” — Otto Rühle

A esquerda do capital conta ainda com intelectuais e comunicadores que se utilizam das redes sociais (Vladimir Safatle, Paulo Arantes, Paulo Ghiraldelli, Bruno Torturra, etc.) para criticar o governo pelo viés multiculturalista e anti-conservador, a partir do vasto material fornecido pelas pataquadas dos ministros Damaris, Ricardo Rodrigues e Ernesto Araújo. A linha da crítica pode ser assim resumida: defesa de um passado idílico que teria existido nos tempos do petismo (democracia e pacto social em favor do “Brasil”); crítica moral aos erros da esquerda (contaminação com práticas da “velha política”). Percebe-se facilmente que tais pensadores críticos não elaboram suas posições a partir dos interesses do proletariado. Historicamente, a esquerda do capital é o “falso amigo” do proletariado.

O terceiro campo das oposições é o da esquerda tradicional (PCB, PSTU, Anarquismo Social – CAB, entre outros). Minoritário e em relativo isolamento, historicamente este campo tem falhado em alterar a correlação de forças na luta de classes. Muito porque insistem em táticas que os colocam a reboque da social-democracia (sindicalismo e parlamentarismo) com pouco ou nenhum espaço para posições anticapitalistas. Além de reforçarem na subjetividade coletiva serem essas as únicas formas de organização política. Enquanto o PCB, após a sua autodenominada “reconstrução revolucionária”, caminha a passos largos para se tornar uma espécie de “sub-legenda” do PSOL e o PSTU prefere ganhar integrantes da esquerda capital a abrir um terceiro campo de luta, a CAB se limita a ser a “ala libertária” nos movimentos sociais da esquerda do capital (MST) e do sindicalismo (Intersindical). Cada qual a seu modo, todos renunciam ao irrenunciável: a independência política e de classe do proletariado.

O quarto campo é a oposição revolucionária (comunistas antiestatais, bolcheviques não eleitorais, anarquismo proletário, entre outros). Alvo permanente da repressão estatal/empresarial, este campo tem o desafio de superar sua fragmentação e não cair nas armadilhas do “antifascismo” e das “frentes pela democracia”. Mantendo-se intransigente na defesa da independência proletária e resistindo aos ataques do governo às condições de vida de nossa classe, poderá ampliar em muito o enraizamento de suas concepções nos locais de trabalho, estudo e moradia, aumentando a força do proletariado para se recolocar na cena pública da política, beneficiando-se do desgaste do governo por suas políticas desumanas. Surgindo lutas radicalizadas de grande envergadura (greves, ocupações, manifestações variadas) as habilidades organizacionais desta oposição serão de grande valia: horizontalização, espaços e instâncias próprias para quem luta. Fazendo surgir formas organizativas antagônicas às da sociedade capitalista.♟