As Eleições de 2018 e o proletariado
Domingo, 07 de outubro de 2018, dia de votação em primeiro turno das eleições no Brasil. O brasileiro escolherá candidatos para os cargos de deputado federal, deputado estadual (distrital), senador (duas vagas), governador e presidente. Zona eleitoral 15, Centro de Ensino Fundamental 15 - Taguatinga/DF. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

As Eleições de 2018 e o proletariado

Episódios emblemáticos de mudança na História do Brasil apresentaram um traço peculiar. Tomemos aqui apenas quatro deles: Independência (1822), Abolição da escravidão (1888), Proclamação da República (1889) e o fim da Ditadura de 1964 (1985). A independência do Brasil colônia foi deflagrada pelo filho do rei, indenizando a metrópole; a abolição, sem negar o acúmulo de séculos de lutas dos escravos, foi um acordo entre escravocratas latifundiários com burgueses e gestores emergentes; a queda da Monarquia e o surgimento da República foi um golpe militar dado por generais amigos do imperador; a redemocratização foi a conclusão do famigerado programa dos militares iniciado em 1974 de “distensão lenta, gradual e segura”. Ou seja, as classes dominantes brasileiras são historicamente hábeis e eficientes na sua capacidade de se antecipar e fazer a transição entre regimes sem a necessidade de uma atuação revolucionária (sua ou do povo). Logo, momentos históricos que exigem transformações profundas tiveram sua solução canalizada para o interior das instituições da conservação.

Nas eleições de 2018, mais uma vez as classes dominantes no Brasil conseguem se impor no cenário nacional como protagonistas exclusivos. Após mais de uma década de governos da social-democracia (PT) em aliança com um setor do bolchevismo (PCdoB) e capitalistas fisiológicos (MDB), é gritante e ao mesmo tempo silenciosa a ausência, na cena pública política, de qualquer força com relevância social que expresse interesses favoráveis ao proletariado.

As candidaturas da direita tradicional, para impedir qualquer mudança substancial em todos os setores, se apresentam com discursos rasos alicerçados em anseios moralistas, com lemas anticorrupção, intolerância a minorias e combate impiedoso à suposta epidemia de criminalidade de rua como se esta fosse resultado de desvios de caráter de parcela da população. Assim agindo, tentam captar os votos dos eleitores descrentes com a democracia. No plano econômico estão unificadas pelo receituário liberal de precarização das relações de trabalho e desmanche de qualquer resquício de políticas de bem estar social.

Por sua vez, as candidaturas da esquerda tradicional propõem um novo pacto nacional de aliança de classes para que o Brasil volte a aquecer o mercado interno e exercer imperialismo no plano internacional. Intimidados pela parcela reacionária do eleitorado, rebaixam a radicalidade de suas propostas na mesma medida em que aumentam o volume de seus gritos nas manifestações de rua. Sabem que o caminho que escolheram os fará, se eleitos, se comprometer com o empresariado, respeitar as leis vigentes, garantir a ordem institucional, honrar a pátria e aceitar a tutela constitucional das forças armadas.

A liberdade, a igualdade, a propriedade e a fraternidade reais da democracia implicam portanto uma situação permanente de violência anti-proletariado. A repressão não constitui nenhuma ruptura com a democracia, mas é um dos elementos indispensáveis de sua imposição, reprodução e expansão.” — Battaglia Comunista, 1951

Contudo, a ideia de que o país está mergulhado em uma crise sem precedentes que exigirá sacrifícios para ser superada, unifica esquerda e direita do capital. E diante de um cenário de completa passividade política e social dos explorados, independente do candidato eleito, a única certeza é que quem vai arcar com as reformas que a máquina pública e o capitalismo transnacional exigem será o proletariado, resultando em mais saques e ataques às necessidades básicas da população, inclusive em setores estratégicos da produção da vida, como ciência e energia.

Mas se não há alternativa proletária pela via das urnas e se o capital já parece ter seu projeto garantido pelos próximos anos, por que as classes capitalistas (burgueses e gestores) se empenham em manter o regime democrático? Tanto a esquerda do capital em nome do “socialismo”, quanto a direita em nome do mercado, se alternam no poder estatal sob faces ditatoriais ou democráticas, e ambas acusam-se mutuamente de “antidemocráticas” para fazer com que o proletariado venha a escolher quem melhor defenderá as liberdades democráticas. Na realidade, existe uma oposição irremediável entre o conjunto das liberdades democráticas capitalistas e as necessidades do proletariado de organizar-se no seu terreno de classe. As posições que o proletariado conquista naquele espaço não podem nunca ser confundidas com as pretensas “liberdades proletárias”.

O proletariado, quando se organiza como classe autônoma, precisa se reunir, desenvolver uma imprensa proletária, associar-se, organizar e gerir suas lutas (greves, ocupações de fábricas, ações diretas de solidariedade). Essas tarefas foram realizadas com resultados diferentes em todas as épocas de sua luta histórica, independentemente da forma de dominação dos capitalistas: ditatorial ou democrática, republicana ou fascista.

As classes capitalistas, por sua vez, propagam a ideologia de que as formas organizativas do proletariado são plenamente compatíveis com as instituições do capital e as liberdades democráticas por meio do direito. Ideologia que é reforçada pelos partidos da esquerda do capital (socialistas, stalinistas, trotskistas, trabalhistas) ao basear a sua política – contrarrevolucionária – na afirmação de que a luta proletária consiste em, cada vez mais, conquistar e ampliar direitos e liberdades democráticas. Desse modo, fica evidente que são três concepções antagônicas: 1) a que procura incorporar no capitalismo toda oposição, legalizando-a; 2) a que se opõe à integração proposta apenas para que a integração aconteça em melhores condições, reforçando o sistema de exploração, e 3) a que se opõe ao existente para substituir este sistema de exploração pelo fim da exploração de um ser humano por outro.

Existem duas concepções fundamentais da luta proletária. Uma burguesa onde se critica a falta de igualdade, de democracia, onde seria preciso lutar por mais direitos, liberdades, … a outra do proletariado, baseada na compreensão de que a própria base de todas estas liberdades, igualdades e direitos são essencialmente anti-proletárias (…)” — Battaglia Comunista, 1951

Burgueses e gestores sempre tentam utilizar o proletariado como base social (atualmente proletários individualizados sob a forma de cidadãos), “bucha de canhão” para servir aos interesses dos dominantes. Trata-se de um esforço permanente para levar proletários a lutar por interesses que não são os seus – nacionalismos, patriotismos, regionalismos, desenvolvimentismos, empreendedorismos – já que o conjunto dos direitos e das liberdades do cidadão correspondem perfeitamente à forma ideal de reprodução da exploração capitalista.

O maior segredo da dominação capitalista consiste em impedir a autoconstituição do proletariado em força autônoma e não há nada mais eficaz para atingir tal objetivo oculto que o conjunto das liberdades democráticas e dos direitos humanos e do cidadão para diluir o proletariado no povo, onde este último deixa de existir como classe e fica reduzido a um pacato indivíduo com as suas liberdades e seus direitos e deveres derivados de sua condição de cidadão. Assim, ele aceita a totalidade das regras do jogo e fica assegurado o “reinado” da circulação das mercadorias.

Durante a campanha eleitoral de 2018, o discurso ideológico com que nos bombardeiam diariamente, é a noção de que os cidadãos brasileiros precisam votar de forma consciente e se unir para tirar o país da crise, seja qual for o próximo governo. É de suma importância para os interesses capitalistas que o proletariado brasileiro se engaje na ideia de retomada do crescimento da economia, que sinta diariamente o medo do desemprego, que aceite como inevitável uma piora em suas condições de vida, que encare os serviços públicos gratuitos como privilégios e que deixe de lado anseios por melhores salários e maior capacidade de consumo pois agora é hora de “apertar o cinto”.

Para muito além do formato jurídico com que nos enquadram pela força (cidadania), as relações reais (não ideológicas) e a história do capitalismo demonstram que o crescimento econômico de um país não implica necessariamente na melhoria nas condições de vida dos explorados. Arrancar ganhos significativos do capital acontece apenas quando aqueles se organizam de forma autônoma e colocam em xeque a extração de mais-valia. E basta que a luta esmoreça por um dado período para que essas “conquistas” sejam perdidas pela via legislativa ou sindical.

Nas eleições, o capital sempre se apresenta com duas faces: uma “feroz” e outra “humana”. Sem se deixar aprisionar por esta armadilha, importa saber que o capital está transnacionalizado e a luta proletária consciente é internacionalista, mas as eleições são nacionais, estaduais, etc. O proletário no Brasil tem mais em comum com imigrantes haitianos e venezuelanos do que com candidatos a gestor do Estado que pedem seu voto. Além disso, qualquer projeto de “Brasil grande” envolve maior exploração do proletariado nacional e maior exercício de imperialismo sobre o proletariado de outros países. ♟