By Alan Santos - Flickr, CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=78271516
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As várias expressões da direita

As Jornadas de Junho de 2013 evidenciaram que uma política proletária necessita discutir e estar preparada para combater as forças políticas que reagem contra qualquer transformação social. De acordo com seu grau de mobilização e consciência, integram um leque que deve receber diferenciadas denominações. Foi naquele contexto que a direita, além de tomar para si um movimento iniciado pelo campo autônomo contra o aumento das tarifas de transporte público e em favor da Tarifa Zero, mostrou, depois de anos nas catacumbas da política, sua cara nas ruas, ganhando maior visibilidade e influência no cenário político.

Para pensar as expressões da direita, deve-se delimitar categorias desse campo político, pois há diferentes posições a serem enxergadas: 1) conservadores; 2) liberais, e 3) extrema-direita ou direita fascista. No Brasil essas diferentes posições da direita estão juntas em sua cruzada para impedir as pálidas e débeis propostas de reformas sociais defendidas pela esquerda do capital, representada politicamente, na concepção da direita, por partidos, centrais sindicais e movimentos (PT/PCdoB/PSOL/CUT/CTB/MST/LGBT/MTST, entre outros) a serem “demonizados”. Assim, pautas básicas que contribuem para desenvolver qualquer regime capitalista democrático moderno — como reforma agrária e direitos humanos — são acusadas de “comunismo”.

O grupo dos conservadores no Brasil se articula em torno de ideias advindas de algumas igrejas evangélicas, bem como de setores da igreja católica e também de setores ligados a um empreendedorismo pragmático. Suas pautas se ancoram, em geral, em temas ligados aos costumes e valores morais, tais como exaltação cega da pátria e elogio à obediência (combinado com violência contra as camadas precarizadas). São também contrários ao aborto e pautas de gênero, por acreditarem que esses são elementos que desagregam a família patriarcal tradicional — considerada o núcleo organizador fundamental da sociedade. Nesse caso, a família é o elemento que dá dinâmica à política conservadora.

No campo econômico, os conservadores, mantendo sua aliança antiproletária histórica, têm defendido ideias liberais — como a privatização dos serviços públicos prestados pelo Estado, redução da carga tributária e de programas sociais. Pregam assim a teologia da prosperidade, pensamento difundido amplamente nas igrejas evangélicas e diversos institutos empenhados na ideologia empreendedora. A defesa do pensamento liberal é bem acolhida em diversos setores sociais, especialmente nas camadas médias de consciência pequeno-burguesa e é propagandeada também por igrejas, que são conglomerados capitalistas, como a Igreja Universal, além da própria Igreja Católica, o mais antigo partido político do mundo.

Esta movimentação [a extrema-direita] necessita urgentemente de uma resposta de toda a esquerda anticapitalista. Hoje. Porque deveria ser ontem, e amanhã será tarde.” — Passa Palavra

Os novos liberais são grupos em geral formados por jovens que defendem ideias de livre mercado e políticas de não intervenção do Estado na economia. Identificam os políticos profissionais como responsáveis pela estagnação econômica graças à deficiência na gestão do Estado (pela burocracia e corrupção, por exemplo) e, por outro lado, louvam capitalistas ainda sem carreira política (as raposas aprendizes), pois interpretam que eficiência e “fichas limpas” são sinônimos de lucratividade e legitimidade. Logo, entendem que, se o Estado e a sociedade são deficitários, isso é reflexo de gestores incompetentes ou corruptos. Assim, as administrações dessas instituições devem estar sob gestão direta de gestores do capital. Expressão dessa mentalidade na política prática são fenômenos políticos como Donald Trump (Estados Unidos), Mauricio Macri (Argentina), Emmanuel Macron (França) e João Doria Jr. (São Paulo). Propagandeiam que eles não são políticos, mas empresários ou gestores que migraram para a política, aceitando esse “ônus” em favor da população. Os setores mais radicais desse grupo criticam os grandes capitalistas por serem monopolistas e não permitirem que o Estado aplique verdadeiras políticas de livre mercado, assim como acusam as grandes corporações da mídia por manipularem a informação, dessa forma cerceando a liberdade do pequeno capitalista. Temos aqui na prática o mesmo discurso da esquerda do capital, que critica o capitalismo apenas na sua forma “neoliberal”.

A extrema-direita ou direita fascista defende e pratica posições mais radicais do que os dois grupos anteriores. Seus integrantes advogam pelas causas do nacionalismo, com fortes componentes xenófobos, homofóbicos e racistas; fazem apologia de ideologias fascistas (como o nazismo e integralismo); disseminam ódio contra os “políticos” e rancor por não serem grandes capitalistas, pois na visão deles nenhum defende o interesse do “povo”; há grupos de diferentes matizes, de skinheads de direita a nacionalistas chauvinistas. Historicamente esse grupo apareceu na Europa centro-ocidental durante os anos 1920 e teve sua expressão mais forte no Nacional-Socialismo Alemão hitleriano. O nazismo foi uma corrente política que encontrou sua razão de ser na liquidação do que restava do movimento proletário comunista revolucionário de 1918-21. Na prática, foram criados e acionados diversos grupos de ação para extermínio das frações mais radicais do proletariado de esquerda, como as SA nazistas ou os “camisas pardas” dos irmãos Röhn, que foram utilizados e incentivados pelo governo social-democrata de Ebert na Alemanha, para combater os comunistas naquele período. Devemos atentar para esse ciclo das lutas sociais, para entender que foi a social-democracia que preparou o caminho para a ascensão nazista em 1933.

A confusão do político com afectivo, que ameaça todos os grupos, constitui o grande risco do totalitarismo. A política exercida com a razão é o antídoto do fascismo, que sempre se apresenta como uma teoria da emoção” — João Bernardo

A social-democracia, como corrente capitalista que é, não se interessa em acabar com a extrema-direita. Procura mantê-la sob controle para poder utilizá-la como tropa de choque contra tentativas revolucionárias do proletariado. Nas Jornadas de Junho de 2013, quando “coxinhas” e skinheads de direita saíram às ruas para expulsar a esquerda dos atos por meio da agressão física, a social-democracia petista — então no governo — não se manifestou para condená-los. Em relação aos grupos de esquerda, pelo contrário, não economizou críticas. Ao se apresentarem na primeira linha de combate aos militantes da esquerda anticapitalista, “coxinhas” e skinheads reacionários poupam as forças de repressão do Estado de fazerem o “serviço sujo” publicamente, evitando desgastes desnecessários.

Outro exemplo, só que pelo lado do capitalismo de Estado “soviético”, foi a ascensão fascista na Ucrânia a partir de 2014. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, durante mais de sessenta anos portanto, que os fascistas ucranianos se prepararam para assumir o poder graças, entre outros fatores, à permissividade da democracia para com eles. Pelo mundo são diversos os exemplos dessa atual onda de expansão da extrema-direita, que se alimenta de preconceitos incutidos nas massas e da incapacidade dos outros segmentos da direita de resolver os problemas do capitalismo para brandir como pseudo-solução a fantasmagórica bandeira do “perigo comunista”.

Atualmente, como medida defensiva, cabe ao proletariado com consciência de classe anticapitalista se capacitar para identificar estes três setores da direita, sem confundi-los, traçar medidas de enfrentamento contra suas ofensivas políticas e levá-las à prática com energia e determinação comparáveis com as que devem ser empregadas para ações ofensivas como a revolução proletária.♟