Reforma Trabalhista: três perspectivas, três resultados (parte II)
Brasilia - O presidente Michel Temer, junto a ministros e parlamentares fazem um pronunciamento após a aprovação da Reforma Trabalhista (Valter Campanato/Agência Brasil)

Reforma Trabalhista: três perspectivas, três resultados (parte II)

Para alcançar os alegados objetivos de “combater a informalidade” e “atualizar o trabalho temporário” a proposta lança mão de medidas tais como: a) pretende tornar habitual a sobrejornada de trabalho sem convertê-las em horas extraordinárias, fazendo com que o proletariado trabalhe além da jornada máxima de trabalho com evidentes impactos negativos sobre sua saúde; b) cria mais dificuldades para que proletárias/os possam tentar reparar no judiciário qualquer descumprimento da própria lei, impondo que se esgote as instâncias administrativas antes de recorrer à justiça; c) permite a subcontratação (“terceirização”) de qualquer atividade de forma ampla e irrestrita, gerando o esvaziamento dos empregos diretos, a ampliação do fenômeno da “pejotização”, além de subordinar o proletariado a modalidades contratuais que comprovadamente lhe ocasionam menores salários e piores condições de trabalho. Dificulta ainda o acesso aos créditos trabalhistas, diante da fragilidade empresarial da maioria das empresas terceirizadas que desaparecem da vida comercial, deixando dívidas e dando calote nos trabalhadores; d) revoga artigos da CLT para aumentar o tempo de trabalho do proletariado (mais-valor absoluto) tais como: dispensa toda a contagem de tempo de jornada pelo deslocamento dos trabalhadores mesmo em caso de transporte fornecido pelo empregador, em local de difícil acesso ou não servido por transporte público e a previsão de intervalo de descanso de 15 minutos antes do início da jornada extraordinária para as mulheres; e) transfere para o empregado os prejuízos com esquivas ou dificuldades do empregador, o ônus pela burocracia do judiciário e risco do negócio empresarial; f) flexibiliza para que proletárias gestantes e lactantes possam trabalhar em ambientes insalubres; g) ao criar a espécie de contrato de trabalho denominada “contrato intermitente” visa, na verdade, autorizar a jornada móvel variada e o trabalho variável, isto é, a imprevisibilidade da prestação de serviços. É a institucionalização do chamado “bico” em claro atentado à dignidade do trabalho; h) exclui a natureza salarial das parcelas pagas por produtividade e incentivo, impedindo sua integração ao salário e sonegando tais valores da base de cálculo do FGTS, INSS, férias e 13º salário; i) autoriza banco de horas sem especificar seus limites, abrindo possibilidade para jornadas de trabalho de 16 ou 18 horas por dia; j) ao permitir que o autônomo exerça sua atividade com subordinação e habitualidade, frauda a relação de emprego, precariza as relações de trabalho e incentiva a sonegação de impostos e contribuições sociais; k) acaba com a interpretação, por analogia, da solidariedade das empresas que constituírem grupo econômico, possibilitando assim que um grupo econômico registre seus empregados em uma empresa “quebrada” e, mesmo com as outras empresas sadias, não vir a ser responsabilizado por dívidas trabalhistas não pagas; l) permite que as negociações coletivas retirem diversas funções que hoje são privativas de aprendizes, diminuindo a contratação destes jovens para o mercado de trabalho, dentre outras.

O movimento proletário é o movimento autônomo da imensa maioria no interesse da imensa maioria.” — Marx & Engels

Vale destacar que essa reforma expõe as diferenças de interesse entre o capitalismo empresarial (burgueses e gestores patronais) e o capitalismo sindical (dirigentes e gestores sindicais). Nesse sentido, algumas medidas foram incluídas para retirar a tutela do Estado para o segundo segmento e forçá-lo a também entrar na luta de classes. Nas palavras do relator do projeto de reforma aprovado na Câmara dos Deputados:

“A proposta de se estimular o resultado das negociações coletivas, contudo, tem que estar diretamente relacionada com uma estrutura sindical em que as entidades sejam mais representativas e mais democráticas. Embora reconheçamos a existência de inúmeros sindicatos altamente representativos, não podemos fechar os olhos para a outra realidade do nosso sistema sindical, em que proliferam sindicatos de fachada. […] A existência de uma contribuição de natureza obrigatória explica, em muito, o número de sindicatos com registro ativo existentes no País. Até março de 2017, eram 11.326 sindicatos de trabalhadores e 5.186 sindicatos de empregadores, segundo dados obtidos no Cadastro Nacional de Entidades Sindicais do Ministério do Trabalho. Comparativamente, no Reino Unido, há 168 sindicatos; na Dinamarca, 164; nos Estados Unidos, 130 e na Argentina, 91. Um dos motivos que explica essa distorção tão grande entre o número de sindicatos existentes no Brasil e em outros países do mundo é justamente a destinação dos valores arrecadados com a contribuição sindical. Somente no ano de 2016, a arrecadação da contribuição sindical alcançou a cifra de R$3,96 bilhões de reais. Os sindicatos, sejam eles classistas ou patronais, não mais poderão ficar inertes, sem buscar resultados efetivos para as suas respectivas categorias, respaldados em uma fonte que não seca, que eles recebem independentemente de apresentarem quaisquer resultados. […] O ideal, a nosso ver, era que a contribuição sindical ficasse restrita aos trabalhadores e empregadores sindicalizados. Como um passo inicial, mantivemos a possibilidade de qualquer trabalhador ou empresa de optar pelo pagamento da contribuição, com a ressalva de que o trabalhador interessado deverá manifestar-se prévia e expressamente a favor de seu desconto pelo empregador.”

A imprensa tem divulgado reuniões de dirigentes sindicais com Temer e o ministro do trabalho. Nelas os sindicalistas oferecem uma menor resistência às reformas trabalhista e previdenciária se o governo fizer uma medida jurídica para que a contribuição assistencial continue a ser cobrada dos trabalhadores compulsoriamente. Como sempre, negociação e barganha são as formas de atuação dos sindicalistas. Os mesmos que negociam as convenções coletivas em nome do proletariado junto às empresas, cujos resultados irão se sobrepor à legislação.

Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso.” — Bertold Brecht

Além disso, o movimento francês Nuit debout (De pé a noite), que ocupou a praça da República em Paris resistindo à reforma trabalhista naquele país, demonstrou que a necessidade do barateamento da força de trabalho é internacional e não uma particularidade brasileira.

Diante dessa conjuntura, cabe ao proletariado com consciência anticapitalista ser contra o negociado (sem patamar mínimo) da direita tradicional e contra o legislado (como patamar máximo) da esquerda tradicional, auto-organizando-se a favor do conquistado (legal e historicamente). Livre de uma subjetividade jurídica que subordina o que se pode conquistar apenas ao que se transforma em lei. ♟