A atual proposta de Reforma da Previdência (PEC 287), em tramitação no Congresso Nacional, é mais uma etapa do desmonte previdenciário iniciado pelo Estado brasileiro em 1998 no governo FHC e aprofundado no governo Lula em 2003. O primeiro transformou a previdência em mercadoria a ser comprada pelo trabalhador, acabando com a solidariedade entre gerações e com a possibilidade de aposentadoria por tempo de serviço. O segundo instituiu a obrigatoriedade simultânea de tempo de contribuição e idade mínima para os trabalhadores do setor estatal, restringiu aposentadorias especiais, obrigou os já aposentados a continuarem contribuindo para a previdência, acabou com a paridade de remuneração entre ativos e aposentados, entre outras. Esta e outras medidas do governo Temer (imposição de limite dos gastos do Estado, flexibilização da legislação trabalhista, mudanças no ensino médio, etc.) objetivam, ao mesmo tempo, uma diminuição colossal de recursos destinados ao proletariado para colocá-los à disposição das classes capitalistas (gestores e burgueses) e desobrigar os governos de administrarem gastos com a população explorada. É preciso promover uma nova onda de redução de custos para garantir ao capitalismo — seja ele de origem brasileira, estrangeira ou transnacional — as condições de aumentar seus níveis de acumulação de capital.
A justificativa dada pelo governo, na figura do ministro Henrique Meirelles, ex-ministro de Lula, ex-CEO do Bank of Boston e atual acionista do Banco Original, se fundamenta na necessidade de reformar o sistema previdenciário brasileiro devido ao aumento da média de vida da população, o que ampliaria “em breve” (2060) o alegado déficit da previdência. Cabe aqui questionar: como o governo tira recursos do aporte da seguridade social, a qual a previdência integra, se existe tal déficit? A única reforma que a previdência precisa é acabar com as medidas econômicas e jurídicas constantemente tomadas em desfavor dos ativos da previdência (desonerações fiscais, desvinculações de receitas – DRU, entre outras).
Omitem o funcionamento da Previdência Social e as formas de seu financiamento para que o proletariado aceite suas justificativas sem questionar. A seguridade social no Brasil se assenta sobre três pilares: Previdência, Saúde e Assistência Social. A Previdência possui caráter contributivo (só usufrui quem pagou por ela), a Saúde-SUS é para todos e a Assistência Social destina-se a quem dela necessitar. E para que esses serviços funcionem há uma série de impostos que os financiam. As contas da previdência são superavitárias. Apenas no ano de 2015 o superávit foi de 24 bilhões de reais, baseado em dados do próprio governo, divulgados pela ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal). Ademais, em 2014 a sonegação de tributos que a Previdência deve receber chegou a R$ 303,7 bilhões. Sem falar da desoneração de setores econômicos sobre impostos que financiam a Previdência que chegam a R$ 136 bilhões. Ou seja, a alegação de déficit é uma ideologia que só se sustenta pela ocultação dos dados reais.
“(…)a esquerda pós-moderna tem procurado eliminar a própria noção de exploração. Os partidários desta corrente deviam mais exatamente classificar-se de pré-modernos, porque reduzem a exploração a uma forma de desigualdade e reduzem todas as desigualdades a problemas de injustiça, de raiz política, possível de resolver graças à obtenção de formas múltiplas de influência sobre as instituições capitalistas (…)” — João Bernardo
Embora seja verdade que a população vem envelhecendo nos últimos anos no Brasil, o governo do gestor Meirelles oculta cuidadosamente uma realidade que acontece na outra ponta do processo etário: o ingresso no mercado de trabalho em idade precoce. Segundo o discurso oficial, devido ao envelhecimento da população seria necessário criar uma idade mínima para aposentadoria de 65 anos para ambos os sexos (desconsiderando que a mulher é majoritariamente responsável pelos cuidados de crianças e idosos nas famílias, o que eleva sua jornada diária de trabalho em 2 horas em média. As regras mais “brandas” de aposentadoria seriam apenas uma política compensatória), assim como um tempo de contribuição mínimo de 25 anos. No entanto, para obter a aposentadoria pelo teto de remuneração, o tempo de contribuição será de 49 anos.
Com a reforma o governo pretende cumprir a agenda dos acordos internacionais, adequando o Brasil às mesmas normas dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Porém, sem levar em conta o nível de desenvolvimento nesses países, taxas de inflação e juros que incidem no poder de compra da população alterando os níveis de bem-estar e principalmente o fato dos jovens ingressarem mais tardiamente no mercado de trabalho. Outra realidade ocultada é que o próprio ser humano possui uma capacidade laborativa de duração determinada no tempo, a partir da qual os corpos não resistem mais e precisam descansar.
“O Estado é um elemento-chave na reprodução do capital. Na medida que a economia passa a estar sob seu controle, o capitalismo, ao contrário de ser suprimido, é levado ao extremo.” — Lúcia Bruno
Um terceiro aspecto silenciado pelos capitalistas está em que não se pode tomar como parâmetro da capacidade laborativa do proletariado, o trabalhador “colarinho branco” que trabalha sob condições confortáveis em seu cotidiano, muito distante dos trabalhos penosos, insalubres e periculosos da maioria do proletariado. A reforma penaliza principalmente os que começaram a trabalhar cedo, sacrificando a vida escolar, que recebem menores salários, cuja saúde é mais precária e por consequência vivem menos. O que o governo quer é que este trabalhador pague a vida inteira por uma previdência que ele não irá usufruir, pois a morte chegará primeiro.
Por trás do ideológico discurso sobre o déficit da Previdência, o que motiva essa reforma é a diminuição do valor da força de trabalho que ocorrerá devido ao aumento da permanência das pessoas no mercado de trabalho, com isso os salários tendem a diminuir. Soma-se a essa motivação o estímulo à venda de programas de previdência privada oferecidos pelos bancos. Outro ataque ao proletariado pretendido com esta reforma é a desvinculação das pensões e dos benefícios assistenciais do salário mínimo. A intenção do governo é reduzir estes benefícios à metade deste valor. Assim, quando o proletário estiver doente ou precisar cuidar sozinho da sua família suas condições materiais ficarão ainda mais precarizadas.
Quanto ao proletariado, terá sua condição de vida profundamente piorada, no presente e no futuro, por isso a resistência deve ser imediata, realizada com energia e determinação não apenas para impedir que o capitalismo aumente suas condições de acumulação, mas para assegurar padrões mínimos de qualidade de vida. Nesse sentido, greves generalizadas a partir dos locais de trabalho/estudo/moradia tornam-se ferramentas necessárias de defesa e ponto de partida para passar ao ataque que gera conquistas. ♟