No ano de 2015 vimos se arrastar a discussão sobre o possível impeachment da presidente Dilma, por razões ainda difusas. Ora se aponta para as pedaladas fiscais, ora para irregularidades na sua campanha eleitoral, ora para uma suposta cumplicidade com a corrupção de seu governo. Em 2016 esse debate deve continuar a ocupar grande espaço na agenda política do país, por isso devemos compreender quais são os atores que estão por trás desse teatro, assim como quais são seus interesses.
De antemão devemos ter claro que os “dois” lados envolvidos nesse debate não estão preocupados com os interesses do proletariado. Prova disso é que o ajuste fiscal tem obtido consenso de ambos – governo e oposições de direita – divergindo apenas quanto ao tamanho da conta a ser paga pelos assalariados ou quanto à profundidade e amplitude dos cortes nos direitos trabalhistas, previdenciários e nos investimentos na área social. Vamos aos envolvidos nessa arenga.
Da parte dos que defendem o impeachment da presidente, temos os grupos Revoltados On-line, Movimento Brasil Livre, Movimento Contra a Corrupção, entre outros. Esses grupos foram os que durante 2014 e 2015 organizaram as manifestações contra a presidente, utilizando o mote de Não à Corrupção, e incitavam a participação nessas manifestações utilizando ideias e palavras de ordem de senso comum, como “Por um País melhor”. Essas manifestações eram compostas em sua grande parte por elementos das camadas médias descontentes com a situação econômica do país. Mas elementos do proletariado também participaram desses atos, com o sentimento de que, devido à crise econômica, sua condição de vida também está sendo prejudicada.
“O socialismo significa mais do que a simples nacionalização da indústria; significa uma alteração fundamental das relações entre os homens. A indústria estatal é tão exploradora quanto a indústria privada” — W. Jerome & A. Buick
No outro polo do debate temos alguns movimentos sociais e centrais sindicais como: CUT, MST, MTST, Central dos Movimentos Populares, Frente do Povo sem Medo. Essas organizações fazem a defesa dos Governos Lula e Dilma, argumentando que esses governos são populares e que melhoraram a condição de vida da população, condição essa que hoje está sendo ameaçada pela direita tradicional. Acusam os movimentos que defendem o impeachment de arquitetar um golpe antidemocrático, já que a presidente Dilma foi democraticamente eleita. Também se percebe que, por trás da defesa do governo do PT, se procura rearticular a base social governista de modo a conseguir formar uma coalizão “de esquerda” que se transforme em capital eleitoral para as eleições de 2018.
Ou seja, temos uma reedição da velha e nociva – para o proletariado – política de frente popular, traçada pelo PT junto com esses movimentos sociais para transformá-los em cacife político e continuidade do controle da indignação popular. Assim como os movimentos pró-impeachment tentam se valer de sentimentos conservadores e do baixo nível de consciência política, organizações pró-governo criam uma cortina de fumaça baseada na disseminação de uma paranoia “contra o golpe da direita”. Deixemos de lado os discursos ideológicos para analisar os interesses em jogo.
Partidos como PSDB, Democratas (DEM) e a parte do PMDB ligada a Eduardo Cunha fomentam e dão apoio material para que os grupos já citados incitem a população a apoiar o impeachment. São esses partidos também que movem o processo do impeachment no Congresso Nacional. Essas forças políticas não estão interessadas em acabar com a corrupção no país ou sanar a crise econômica. Na verdade, a elas interessa muito mais manter o processo de desgaste do governo e seus apoiadores para, por um lado, alimentar projetos de retorno ao poder (caso de PSDB e DEM) ou de continuidade no poder (caso do PMDB). Por outro lado, para arrancar concessões de um governo enfraquecido para os setores do capitalismo que representam. Nada a ver com “defesa da moralidade”. Isso fica claro quando observamos que esses partidos, tanto quanto o PT, também estão envolvidos em esquemas de corrupção nos estados e municípios que administram. Lembremos do mensalão tucano, do escândalo de corrupção no Metrô de São Paulo, estado que o PSDB administra há vinte anos, além do recente caso do roubo da merenda, também no estado de São Paulo.
Pelo lado dos defensores do governo não existe uma real intenção de fazer com que o governo deles defenda os interesses dos trabalhadores, pois, como já citado, foi o governo Dilma que adotou como uma de suas primeiras medidas em 2015 promover um ajuste fiscal que beneficiava os capitalistas em detrimento dos trabalhadores. É falsa essa suposta defesa de um governo popular contra uma direita golpista. Assim como o PSDB representa os interesses de uma fração do capitalismo, o PT representa outra fração do capitalismo, revelada nas relações promíscuas entre as empreiteiras envolvidas na operação Lava Jato e os dirigentes do PT. O interesse do PT é conseguir continuar jogando nos dois times: no dos grandes empresários, banqueiros e agroindustriais ao mesmo tempo que supostamente defende “o povo”. Assim, pretende chegar o menos arranhado possível nas eleições de 2018.
“Felizmente Marx morreu a tempo. […]. Ele não é responsável pelo que os autonomeados ‘marxistas’ fazem em seu nome” — Maurício Tragtenberg
A discussão sobre o impeachment da presidente Dilma tenta ocultar o fato de que as posições apresentadas como antagônicas na verdade procuram, por caminhos superficial e levemente diferenciados, aplicar uma agenda que traga maior lucro e apoio estatal aos grupos do capitalismo que cada qual representa. Para os trabalhadores é uma armadilha fatal se deixar aprisionar por qualquer dos polos desse debate e se colocar como massa de manobra em suas manifestações de rua, pois as duas posições atacam o proletariado.
Para os trabalhadores, importa que sejam capazes de discutir seus próprios problemas, necessidades e desejos da sua própria classe. Para conquistá-los, devemos construir nossas próprias organizações, com independência total dos capitalistas.
Devemos ter em conta que afastar ou não a presidente de seu cargo, prender ou soltar corruptos, não resolve questões como arrocho salarial e precarização do trabalho, nem conquistará transporte coletivo gratuito, moradia, saúde e educação de qualidade. Isto significa que o debate sobre o impeachment da presidente e sobre a corrupção são falsos debates para o proletariado, já que a corrupção faz parte da própria natureza de qualquer regime político capitalista. O verdadeiro roubo é a exploração diária da força de trabalho proletária. O combate a esse roubo é tarefa que apenas a luta dos trabalhadores conseguirá construir e sustentar até as vitórias. ♟