O que agrediu os professores no Paraná também nos agride / O que a luta em Kobane pode ensinar ao proletariado

O que agrediu os professores no Paraná também nos agride / O que a luta em Kobane pode ensinar ao proletariado

O Estado brasileiro negocia títulos de sua dívida no mercado financeiro. Para quem compra esses títulos, o governo garante um rendimento extra em cima do próprio pagamento destes. Nos últimos anos – frente à crise internacional e às políticas econômicas malconduzidas – o Estado se endividou bastante. Atualmente, quase 50% do que é arrecadado vai para o pagamento da dívida e seus juros. Com o esgotamento do ciclo de crescimento no Brasil, os impostos já não são suficientes para se pagar o mercado financeiro. Neste contexto, o governo decide garantir esses pagamentos diminuindo os seus gastos, mas ao invés de cortar gastos que afetem os empresários no Brasil, a conta será paga mais uma vez pelo proletariado.

Para os capitalistas não importa a qualidade de vida do proletariado, mas apenas que os Estados nacionais mantenham o pagamento de suas dívidas. Para isso, se utilizam do superávit primário, dentre outros recursos. No Brasil, a atual crise faz com que o Estado arrecade menos, prejudicando o superávit, e lance mão do que se chama “ajuste fiscal”. Levado a cabo pelo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o ajuste fiscal não ataca a raiz dos problemas, nem atinge os responsáveis pela crise. De fato, procura atingir direitos trabalhistas historicamente conquistados em lutas anteriores: o seguro-desemprego, auxílio-doença, pensão por morte, etc. Para piorar a situação, recentemente avança a tramitação para aprovação do Projeto de Lei das terceirizações, aliado dos cortes de recursos – efetuados pela “Pátria educadora” – que atingem principalmente a educação em todos os níveis. Em nível federal atinge os repasses do PNAES (Assistência Estudantil) e do Fundo Nacional de Educação Básica (FUNDEB), chegando a ter 30% de seu orçamento congelado.

O rombo nos cofres públicos se repete no âmbito de estados e municípios onde há situações mais graves, como em São Paulo, Ceará, Goiás, Paraná e Santa Catarina. Nesse cenário nacional, independentemente dos partidos que governam cada esfera, nossas lutas são as mesmas: professores em greve, com destaque para a resistência dos trabalhadores da educação no Paraná. Os projetos de precarização da educação pública combinados com a possibilidade de retirada de recursos do fundo de aposentadoria dos trabalhadores paranaenses evidenciam a quem servem governos e Estado. É com este cenário – federal, estadual e municipal – que devemos entender o massacre ordenado pelo governo do Paraná e as perseguições políticas a professores que tentam se organizar com pais e alunos em Santa Catarina, o que evidencia outra face do Estado: a da repressão e da perseguição.

No entanto, são nos processos de lutas que podemos aprender mais. No Paraná, quando o governador Beto Richa envia à Assembleia Legislativa do Estado (ALEP) um pacote de ataque ao funcionalismo público, o que forçou a radicalização dos trabalhadores da educação, que ocupam o prédio da ALEP e ultrapassam seu sindicato que em entrevista televisiva afirmou: “avisamos aos deputados que se eles tentassem aprovar não conseguiríamos controlar o movimento”.

Cabe questionar: por que o sindicato quer controlar trabalhadores em luta? Em Santa Catarina, professores estaduais em greve decidem ocupar o prédio do legislativo catarinense (ALESC), sendo que seu sindicato (SINTE) “decreta” o fim da ocupação divulgando midiaticamente sua retirada desta. Esta ação de abandonar professores em pleno processo de luta por suas conquistas aponta no mesmo sentido da declaração do sindicato do Paraná: sindicato e a luta dos trabalhadores são coisas opostas. Some-se a isso vários casos de falta de solidariedade quando o mesmo SINTE não se mobiliza em defesa dos processados pelo Estado: tanto quando os professores iniciaram um processo de organização da população do bairro Rio Tavares em Florianópolis; quanto ao abandonar trabalhadores processados em Joinville; e especialmente ao se calar frente à exoneração do professor Eduardo Perondi também em Florianópolis. Tudo isso permite levantar outra questão: lutas radicalizadas – responsáveis pelas maiores conquistas dos trabalhadores – não interessam aos sindicatos?

Os mesmos problemas também se manifestam no movimento estudantil. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por exemplo, prejudicada com o corte de gastos do ajuste fiscal federal, tem se limitado a conceder auxílios estudantis a acadêmicos/as com necessidades gritantes de atendimento. Nessa realidade, a passividade do Diretório Central dos Estudantes (DCE) diante das necessidades estudantis contrasta com a iniciativa de estudantes independentes e organizados, o que demonstra que a luta estudantil necessita vencer o imobilismo provocado pela conquista de aparatos institucionais.

Aqueles que agridem os professores no Paraná, que perseguem em Santa Catarina, são os mesmos que agridem os estudantes: gestores, empresários, burocratas, dentre outros capitalistas.

Para a manutenção de conquistas históricas, e possíveis avanços que se construam no processo das lutas, o movimento integrado de técnicos, estudantes e professores necessita se desvincular de velhas práticas e se auto organizar com radicalidade. ♟

O marxismo é a expressão teórica do movimento revolucionário do proletariado.” — Karl Korsch

O que a luta em Kobane pode ensinar ao proletariado

No contexto da ascensão do Estado Islâmico (EI) – milícia reacionária e obscurantista – no norte do Iraque e em diversas regiões da Síria, a resistência das populações curdas na região de Rojava destaca-se pelas suas formas autônomas de organização, necessárias à superação do capitalismo. A resistência se instituiu principalmente nas Unidades de Defesa do Povo (YPG), com destaque para Unidades de Defesa das Mulheres (YPJ), ligadas ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Para os internacionalistas este cenário também levanta outras questões, como qual é de fato o conteúdo da luta contra o EI e ainda sobre o protagonismo feminino nas sociedades no Oriente Médio.

Após incursões mal sucedidas das potências ocidentais no Médio Oriente e a retirada de suas tropas deixando um rastro de sangue e caos, a milícia auto intitulada Estado Islâmico (apoiada pela Arábia Saudita) se capacita militarmente ao “herdar” material bélico deixado principalmente pelos Estados Unidos e para viabilizar seu objetivo de estabelecer um califado entre o Iraque e a Síria, empreende uma guerra contra os exércitos de Iraque e Síria, mas também contra os militantes curdos que há décadas lutam por autonomia política e econômica contra os Estados iraquiano, sírio e turco.

Este autêntico xadrez político-militar, ao qual deve-se acrescentar a peça da guerra civil na Síria, que permite situar a resistência curda na cidade de Kobane, pois foi a retirada do exército sírio de Bashar Al Assad que transferiu a defesa da cidade para as instituições curdas criadas para esta finalidade. Vale lembrar que há alguns anos forças curdas combatem tanto radicais islâmicos quanto o exército sírio.

Esta história da resistência tem sido silenciada pelos meios de comunicação hegemônicos no ocidente, pois as organizações curdas são consideradas terroristas, principalmente pelos EUA, pela sua luta contra Estados aliados da OTAN em prol de sua autonomia territorial.

Os trabalhadores não devem limitar-se a atuar: é preciso que imaginem, reflitam e decidam tudo por si mesmos.” — Anton Pannekoek

Essa conquista da população curda deve-se principalmente às formas de organização instituídas, nas quais toda a população se envolveu tanto nas decisões políticas como nas atividades de produção e proteção dos territórios. A saída do exército sírio da região de Rojava marcou o início de uma política de participação da população na administração da região.

Foram criados conselhos, cooperativas e comunas de produção agrícola, além das mencionadas YPG e YPJ, compostas pela população civil que decide e executa as atividades de defesa. Em todas estas instituições os cargos são eleitos e ocupados simultaneamente por homens e mulheres.

A experiência curda transmite ao mundo um valioso exemplo de organização política: a tomada de decisões políticas, a produção e a proteção da vida devem ser criadas e geridas pela totalidade da população. Esse processo nos ensina que é preciso assumir o protagonismo das instituições de forma auto organizada. Ao invés de delegar poder de decisão a líderes políticos, o necessário é participar ativamente em todas esferas sociais.

É importante destacar que as instituições criadas pelos curdos na região de Rojava estão voltadas para o atendimento das necessidades sociais da população e não para o benefício privado de indivíduos detentores dos meios de produção.

Outro exemplo inspirador é a participação feminina, seja em número ou em iniciativa em todos os âmbitos da vida – situação inexistente em outras partes do Oriente Médio.

Cabe alertar que o futuro da autonomia política dos curdos ainda está longe de uma solução, assim como o Estado Islâmico não deixou de ser uma ameaça e pode retomar seus ataques a Rojava. O projeto curdo de uma sociedade com ampla participação da população em nada interessa aos governos turco, sírio, iraquiano e estadunidense. Nesse cenário, o EI pode ser usado como uma ferramenta a serviço das potências ocidentais para aniquilar as lutas pela emancipação da população curda. ♟