Nesta edição do Batalhar apresentamos outro exemplo de como a luta autônoma pode ser desenvolvida pelo proletariado. Trata-se do resgate de experiências, presentes desde a primeira edição do BB, quando trouxemos a luta dos professores do Paraná e dos curdos em Kobane. Pouco depois falamos da ocupação de escolas por secundaristas (BB #10), da revolta de Oaxaca (BB #70), das revoltas na França de 2023 (BB #87) e da greve de metalúrgicos nos EUA (BB #94). Dessa vez, novamente, o proletariado da educação em cena, no município de Balneário Camboriú (BC), em Santa Catarina.
Quando começou?
A necessidade de uma organização autônoma da classe para as lutas, entre os professores de BC, iniciou-se na Pandemia. Dúvidas e conflitos sobre o distanciamento social, medidas de proteção individual para evitar o contágio da COVID-19 e a circulação na mídia hegemônica de informações incertas sobre o tratamento, além do descaso e atraso com a vacinação, causou muita apreensão sobre o trabalho dos professores, que se dá justamente com 30 a 40 crianças e/ou adolescentes reunidos em uma mesma sala de aula. Da prática, portanto, surgiu a necessidade da luta, de estarem organizados com outros trabalhadores, como as categorias da saúde, para auxiliar, não somente no esclarecimento das dúvidas, como também para se organizarem de forma autônoma contra os ataques do Capital, uma vez que este estava preocupado em manter as escolas funcionando, independente do bem-estar de professores e estudantes.
Apesar desse impulso inicial, dificuldades logísticas para realizar reuniões presenciais somadas ao incipiente aprendizado sobre as reuniões virtuais, não-presenciais, levou ao afastamento das pessoas e o movimento acabou em pouco tempo. Porém, a ideia ficou no ar e, em 2023, foi retomada quando houve necessidade de um novo posicionamento. Um atentado contra quatro crianças numa creche em Blumenau mobilizou os professores para refletir sobre segurança nas escolas e arredores. A partir de uma reunião pautada nesse tema, surgiu a necessidade de um grupo de estudos para fazer um corte de classe na questão da segurança, que vinha se confundindo com mero policiamento, sem abordar o centro da questão: a saúde mental dos envolvidos no ambiente escolar. Na sequência, o coletivo avança para os conflitos envolvendo a educação em BC.
Uma alternativa ao sindicato
Desde o começo, professores com alguma experiência de luta percebiam que o sindicato da cidade era governista e parceiro da prefeitura. Quando houve atritos entre a classe e a gestão, o sindicato resolveu parar as reivindicações e não lutar. Isso renovou o desgaste do sindicato perante os trabalhadores, que já vinha de décadas.
A ausência de apoio do sindicato somada aos ataques a direitos reiniciados no pós-Pandemia em todo o Brasil instigou a percepção de que era preciso aprofundar a crítica rumo à ação independente. Entretanto, desde o início não queriam seguir uma perspectiva puramente teórica e acadêmica. Queriam algo mais simples e prático, porém sem abrir mão de concepções que embasam a perspectiva da autonomia do proletariado. Por isso o nome “Educaluta”: educar para a luta, evidenciando também um distanciamento da crença de que educar seria uma luta por si mesma.
Um episódio foi determinante para o fortalecimento dessa concepção de organização e luta: um grupo de professores, novos efetivos e com direitos perdidos, foram barrados de entrar em uma assembleia do sindicato. Organizaram uma assembleia paralela, depois da sindical, e resolveram fazer uma frente de lutas que fosse alternativa a sindicatos e partidos. Assim, essa proposta um pouco diferente do Educaluta reuniu todos os dispostos a lutar por melhores condições para a escola, seus estudantes e trabalhadores como um todo. Cria-se a Frente de Luta pela Educação Pública de BC (Frente de Lutas BC).
Aqui é importante resgatar o que já foi abordado no BB#104 sobre as instituições intermediárias do proletariado; metodologia que permite organizar diferentes níveis de consciência da classe, sem perder sua característica autônoma. O Educaluta se coloca como um instrumento mais avançado da classe do que a Frente, no sentido de ir além das pautas imediatas da categoria, amplia a visão de classe, até mesmo para questões internacionais, posicionando-se, por exemplo, em apoio à causa Palestina e a Gaza. É também ao Educaluta que cabe a tentativa de unir o movimento de BC com o de outros municípios, enraizar com outros movimentos de professores e até mesmo outras categorias da classe, entendida como uma só. Ele também desenvolve lutas econômicas, como a campanha pelo fim da escala 6×1.
“A luta autônoma dos trabalhadores em movimento para a efetivação e conquista de direitos frequentemente não é reconhecida no mundo jurídico. Porém, quando através da luta coletiva, trabalhadores organizados mantêm sua posição mobilizada, rompendo com a lógica da burocracia, muitas decisões jurídicas estabelecidas são revistas e recuadas, então para favor do movimento.” — Frente de Luta de BC – Cartilha #1 “Liberdades democráticas e a educação em movimento”
A organização por local de trabalho
A Frente de Lutas BC reúne professores e outros profissionais da educação em BC através da sua inserção por local de trabalho. Apesar de entenderem a importância da articulação com outras categorias, os professores seguem enfrentando dificuldades para realizar essa articulação com, por exemplo, os colegas da merenda e higienização. Existem duas duplas de higienização por local de trabalho, os quais não convivem e não almoçam nos mesmos espaços. As reuniões são separadas e essas duplas nunca são incluídas em nada, como se fossem parte de uma casta abaixo. O mesmo ocorre na cozinha.
Por isso, no momento atual, não por princípio, mas por limitação, a Frente reúne apenas professores. As lutas são pela construção de novas escolas, contra a antiga e atual gestão da prefeitura, sem preferências por partidos políticos. Além disso, mantém críticas à associação profissional de professores e especialistas (APROBC), muito próxima ao PT da cidade, que tenta aparecer como uma alternativa ao sindicato, mas seguindo a mesma estrutura organizativa: presidência, direções e direitos apenas para os associados. Embora aparentemente lógico, fere de morte a unidade material e subjetiva da classe.
“A divisão dos profissionais da educação em diferentes categorias tem o intuito de nos isolar e nos enfraquecer enquanto classe. Na prática, somos todos trabalhadores da escola, somos todos fundamentais no complexo trabalho humano do ensino e aprendizagem, somos todos uma só classe.” — Frente de Luta de BC – Cartilha #2 “A escola é uma totalidade”
Educaluta em movimento
O Educaluta se utiliza das novas formas de divulgação das lutas através das mídias digitais. Ali eles expressam, por exemplo, o atendimento ao chamado do movimento BDS aos protestos com o regime sionista de Israel, convocando um protesto público em Itajaí/SC. O BDS é uma sigla para Boicote, Desinvestimento e Sanções, auto-explicativa da sua forma de atuação. Nas redes fazem chamamentos para que outros coletivos se unam a esses protestos, como o que foi organizado neste mês de agosto.
Para além das questões internacionais, o Educaluta participa de atos em conjunto com outros coletivos e até partidos que estejam alinhados a determinadas pautas da luta de classes. Um exemplo foi o ato chamado no primeiro de maio pelo fim da escala 6×1. Também integraram os chamamentos e participação em si dos atos anteriores dos dias nacionais organizados em torno dessa pauta. As mídias digitais também são usadas para denunciar as ações do sindicato dos professores contra a classe.
Para além dos sindicatos
A ascensão ao poder de governos de extrema direita na última década, que flertam com ideais fascistas, ao redor do mundo e no Brasil, tem sido utilizada pela socialdemocracia para reforçar a fé do proletariado nas instituições da ordem. Ao jogar com o medo e a ausência de uma reflexão crítica da realidade, diferentes setores da esquerda do capital apontam o sindicato como via necessária para a luta de classes, desde os ataques que ocorrem no nível mais imediato, que mexem com a renda, a jornada e o ambiente de trabalho.
O movimento relatado aqui é mais uma prova do contrário: a luta de fato, autônoma, desligada da influência das classes capitalistas de gestores e burgueses, necessita de instituições da classe. Os sindicatos, apesar de criados pela classe há mais de dois séculos, foram incorporados pela burguesia e transformados em escola de gestores. Nenhum dos entraves colocados pela ideologia socialdemocrata (necessidade de financiamento pelo imposto sindical, falta de infraestrutura adequada, proteção jurídica, reconhecimento patronal para negociar), foram fatores impeditivos para a criação e manutenção do movimento. O que se sucedeu foi o oposto, pois desde o início foi necessário lutar contra o sindicato para assegurar a autonomia da classe.♟