Eleições municipais: como se organizar apesar delas

Eleições municipais: como se organizar apesar delas

As eleições municipais costumam iludir o proletariado de maneira peculiar, já que são eleitos gestores que ficam fisicamente mais próximos das dificuldades reais da condição proletária, tais como falta de saneamento básico, escolas e postos de saúde. Esse período é uma ótima oportunidade de sugerir formas auto-organizadas de combater o capital na tentativa de resolver esses e outros problemas. Os motivos para não participar dessa farsa já foram bem elaborados em outros boletins. No BB 7 e 60 demonstramos que as frentes eleitorais “contra a direita” podem levar os trabalhadores a lutarem contra seus próprios interesses, no BB 13 apresentamos as estratégias de reforma estatista como ataque ao proletariado, no BB 15 o legado de governos reformistas, no BB 31 e 34 falamos o que representam as duas faces que o capital possui, direita e esquerda, e dos ataques perpetrados por ambas, no BB 50 o caráter ainda mais limitado da democracia durante eleições municipais, no BB 55 explicamos como o mote por democracia impulsionado pela ideologia do medo fortalece as instituições burguesas, no BB 81 expusemos os papéis distintos que esquerda e direita do capital cumprem na consciência do proletariado, apesar de ser um antagonismo apenas ideológico. Por fim, no BB 102 afirmamos que é o Capital quem manda, independente dos candidatos eleitos periodicamente. Em todos esses números citados chamamos atenção para a auto-organização da classe. Mas como fazer isso?

Como se organizar fora de sindicatos e partidos estatizados?

Nesta edição criticamos o processo eleitoral por meio da análise da obra homônima ao subtítulo, a qual é de autoria coletiva, apesar do pseudônimo de “Henk van der Graf” – acessível aqui. O proletariado que se auto-organiza precisa, antes de tudo, estar atento ao seu redor, tanto no que diz respeito às pessoas – proletários, burgueses e gestores – como às instituições – auto ou heterogeridas. Isso vale tanto para o ambiente acadêmico-estudantil, local de trabalho ou de moradia. Essa atenção é indispensável para identificar, em cada um desses espaços, quais são as instituições que servem à conservação da ordem, heterogeridas, e quais exercem um papel de transição entre estas e as instituições da transformação, revolucionárias. As instituições intermediárias (INSINT) devem ajudar o proletariado a germinar, a aprender como desenvolver formas de autogerir a sociedade.

No ambiente acadêmico as INSINT devem organizar sem as barreiras disciplinares ou de curso presentes nos centros ou diretórios acadêmicos. É necessário que suas bases se constituam a partir das salas de aula, ou de um mesmo curso, para terem as suas pautas guiadas pelos interesses do proletariado presente nestes locais, apesar do caráter policlassista do movimento estudantil. Os coletivos de curso são o ponto de partida para a auto-organização estudantil.

Esse coletivo vai impulsionar lutas que já são mais sentidas por aqueles que, entre os estudantes, são ou possuem uma base proletária. Lutas por garantia de transporte e livros de qualidade disponíveis na biblioteca, por exemplo, motivam os estudantes a se organizarem para além do turno de estudos e trabalho. Nesses momentos, é importante que as condições que levam à falta do que se quer conquistar sejam discutidas entre todos e, a partir dessas condições, iniciar a ligação para questões conjunturais e de sociedade. Essa abstração da realidade deve estar, na medida do possível, homogênea entre todos integrantes, para que nenhum tenha mais voz que outro no momento de argumentar e decidir. Da mesma forma, todos devem assumir tarefas e responsabilidades, com revezamento entre elas, sem tarefismos ou delegacionismos. Quando houver um cargo de representação, este deve ser temporário e removível a qualquer momento.

O que mais aproxima o trabalho de bairro do proletariado são as condições de produção e reprodução da vida: por mais que a pequena-burguesia em risco de proletarização geralmente more na mesma localidade. É preciso fomentar, entre esses proletários agrupados no mesmo local de moradia, uma vida coletivamente organizada e o resgate das bandeiras proletárias. A ponte entre a coletividade e os locais de produção, incluindo aí os proletários que trabalham no bairro, mas não moram nele – como os trabalhadores das unidades de saúde da família – é fundamental. Essa aproximação entre local de trabalho e moradia deixa vivo na mente do proletariado que, mesmo no bairro, é somente através de pautas criadas por eles mesmos e lutas conduzidas por eles mesmos que é possível alcançar a vitória. Algumas instituições da conservação no bairro, como Conselhos Locais de Saúde (CLS) e associação de moradores, podem contribuir com a luta, quando criadas e conduzidas pela iniciativa proletária. Diferente dos sindicatos, essas estruturas ainda não foram assimiladas pela ordem de forma generalizada, ou cristalizadas em forma de burocracia de gestores. Mesmo assim, é fundamental que, o quanto antes, seja criado um comitê de bairro (CB). Afinal, sem a formação política e os valores da classe estas estruturas se tornarão um fim em si mesmas: mais um espaço da ordem.

“A atual conjuntura é de declínio global da consciência de classe por parte do proletariado. Enquanto uma parte da classe tende a se engajar nas instituições da conservação do capitalismo, outra parte expressiva, desiludida e frustrada com tais instituições, está se permitindo levar por correntes políticas da extrema-direita do capital, de inspiração fascista.”
Henk van der Graf

A coisa muda de figura nos locais de trabalho. Aqui não há espaço para pluralidade e a auto-organização é imperativa. É por meio do comitê proletário (CP) que se enfrentam as injustiças do ambiente de trabalho, que os sindicatos pelegos são combatidos e se acumula força para a construção de mais CPs em outros locais de trabalho, sem as distinções jurídicas típicas dos sindicatos: não há separação por categoria profissional e a divisão em diferentes locais se dá apenas por logística. Todos lutam juntos e aproximar os diferentes operários divididos pelo Capital – no processo de trabalho – e pelos gestores sindicais – na luta – é uma das funções do CP. A autoformação para introjetar elementos teóricos é fundamental. Mas para conseguir trazer o proletariado, já fatigado pelo labor diário e compromissos da vida privada, para esse compromisso teórico-prático, é preciso identificar quais dentre as diversas privações do Capital estão afetando mais a vida do proletariado em cada momento.

Tanto os CBs e os coletivos de curso como os CPs se diferenciam das instituições da conservação, como sindicatos, diretórios e associação de moradores, por não serem um fim em si, mas essencialmente temporários. Isto é, devem ser formados para atingir o fim, a necessidade, pela qual foram criados. A sua continuidade só se dará – em outra instância – se o trabalho de formação político-teórica for bem conduzido.

“O trabalho é duro, mas a força daqueles que constroem o mundo (e dele nada usufruem) somente poderá ser usada em potência máxima se soubermos, como a boa e velha toupeira, cavar os túneis por baixo dos pés daqueles que nos exploram para que lhes falte o chão e sejam soterrados para sempre no grande terremoto da história que apenas as revoluções podem provocar.”
Henk van der Graf

Como resgatar o espectro que rondava a Europa no tempo de Marx?

Para resgatar o sentido de lutas autogeridas, que já há algum tempo se encontram minoritárias entre o proletariado, consumido pela ideologia social-democrata e cooptado pelas instituições da conservação, é preciso apontar insistentemente os limites das lutas heterogeridas. A capacidade do Capital em assimilar essas lutas possui um limite e nem sempre as classes dominantes conseguem escondê-lo sob o manto de conquistas da social-democracia parlamentar ou mesmo de assistencialismos da direita tradicional. Nesse momento de eleições podemos tentar abrir uma brecha para esse questionamento e abordar o camarada, seja no ambiente de trabalho, no curso ou no bairro. Pode ser, justamente nesse momento, que um grupo criado com o objetivo oculto de eleger um candidato faça a autocrítica e se transforme no seu oposto: um coletivo autogerido que questiona as limitações da democracia burguesa.♟