A resistência palestina em 2023

A resistência palestina em 2023

Desde o dia 7 de outubro, quando uma ação do grupo Hamas resultou em 1.200 mortes (fonte: Jornal Haaretz) e 240 prisioneiros em território colonizado pelo imperialismo israelense, o Estado de Israel iniciou uma ofensiva genocida na Faixa de Gaza com bombardeios e ocupações terrestres que já mataram mais de 14 mil palestinos, dos quais cerca de 6 mil eram menores de idade. Continuando o apanhado histórico acerca do terrorismo de Estado sionista sobre os palestinos, que traçamos inicialmente no BB#67, tentaremos delinear as possíveis visões e atitudes do proletariado com consciência de classe diante deste cenário.

Origem dos nacionalismos judeu e árabe na região

Os primeiros judeus colonialistas chegaram através da compra das terras dos latifundiários árabes, muitos dos quais viam os britânicos como aliados contra os otomanos durante a II GM e não suspeitavam da proposta de criação de um Estado judeu. A ideologia nacionalista foi muito utilizada pelos britânicos, que colocavam no horizonte a perspectiva de um Estado árabe unificado.

Entretanto, ainda antes do final da II GM, britânicos e franceses já tramavam uma “traição” desse acordo. Através do acordo de Sykes-Picot, as nações vencedoras negociaram a criação de um Estado judeu entremeado nos árabes, que acabariam por ser divididos em várias nações. Para tanto, utilizaram-se de uma ideologia nacionalista que já vinha sendo costurada meticulosamente pela burguesia dos judeus da diáspora – principalmente aqueles que viviam na Europa e nos EUA – para resolver o “problema” do proletariado judeu. O sionismo chegou para o proletariado judeu como uma ideologia liberal reformada, ao somar religião, liberalismo e nacionalismo numa coisa só. Seria a retomada da ideologia da terra prometida a eles, onde poderiam começar uma vida nova de empreendedores, fomentando a luta pela nova terra conquistada, trazendo a memória dos ancestrais e destacando que não deveriam vendê-la, que seria mais que isso: algo sagrado a ser defendido a ferro e fogo. Ao mesmo tempo, seria uma forma de retirar os judeus da Europa, uma parcela mais oprimida entre o proletariado e que, em geral, mais organizada, acabava participando com mais frequência de greves e outras lutas da classe.

Desse modo, ao mesmo tempo que se criava um Estado com judeus extremamente instigados a lutar por um território – que apesar de recém chegados, estavam inflamados por uma ideologia que reclamava algo ocorrido há mais de 1.500 anos – os árabes se davam conta da artimanha dos britânicos e franceses e possuíam um exército que havia ajudado a expulsar o milenar império otomano da região. O caldeirão da guerra estava pronto, faltava só acender o fogo.

Já no dia seguinte à retirada das tropas britânicas do Estado de Israel, em 1948, as escaramuças e ações de guerrilha são deixadas de lado para dar início à guerra de fato. No começo havia uma aparência de luta de resistência do Estado de Israel contra os invasores árabes. Mas conhecendo a história da chegada dos judeus colonizadores acima retratada, somada aos armamentos e à tecnologia cedidos pelos britânicos, EUA e URSS (através da Tchecoslováquia), superiores aos dos exércitos árabes, estes ainda se recuperando da II GM, percebe-se que o verdadeiro invasor, numa guerra de procuração britânica pelo controle geopolítico da região, foi o Estado de Israel, desde o seu nascimento. Isto significa que a Questão Palestina é uma luta de libertação nacional inconclusa, na qual as tarefas da revolução burguesa não se completaram naquela região do mundo.

“Para a Europa consituiríamos aí um pedaço de fortaleza contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie. Ficaríamos como Estado Neutro, em relação constante com toda a Europa, que deveria garantir a nossa existência.” — Theodor Herzl, fundador da organização sionista

O proletariado comunista nas lutas de libertação nacional: analisar caso a caso

Lutas de libertação nacional agrupam as classes dominantes e dominadas da nação que tenta se libertar. Nessas situações os interesses específicos do proletariado não se apresentam e o centro da luta de classes reside na contradição nação opressora x nação oprimida. No caso da libertação árabe-Palestina envolvem não apenas interesses burgueses, mas também aristocráticos. Logo, a regra é que o proletariado comunista não se envolva em lutas cujo centro não seja a luta direta contra o capital. Então, no caso concreto, faz sentido o proletariado participar ativamente desta luta contra o exército invasor de Israel?

Se pensarmos que o exército ocupante pode ir às últimas consequências e matar a todos que não conseguem fugir das terras, que quem não consegue fugir são justamente camponeses e proletários e que para ter proletariado é preciso que eles estejam vivos, bem, a resposta é sim. E a Comuna de Paris é um bom exemplo de que mesmo essa luta que se inicia como uma resistência nacional pode se transformar numa luta autônoma da classe.

Outro exemplo pedagógico, foi a política do KPO (Partido Comunista da Áustria) durante os anos 1920-1923 sobre a questão das nacionalidades. Nas regiões da Áustria limítrofes com a Suíça foram contrários à reivindicação nacional, pois significava retardar a revolução proletária unir o proletariado daquelas regiões com um estado capitalista estabilizado. Pelo motivo inverso, foram favoráveis a unir o proletariado do sul da Áustria com o proletariado dos Bálcãs, pois ali havia uma efervescência revolucionária. E foram pela abstenção quanto às regiões da Áustria nas quais havia reivindicações nacionais em relação a outros países vizinhos em que a luta de classes não apresentava uma tendência clara. Um belo exemplo de política elaborada tendo como critério fazer avançar na prática a luta pela revolução proletária.

Propaganda e extermínio: as práticas dos inimigos declarados dos palestinos

A Propaganda é uma arma essencial em qualquer guerra e, nesse sentido, o sionismo cumpre um papel exemplar. Diferente de outros países, a eficácia do governo de Israel não se limita a justificar a guerra para o proletariado israelense, cujos filhos são induzidos a pegar em armas e realizar atos cruéis e bárbaros contra os habitantes da nação vizinha. Mais que isso, com a ajuda dos EUA eles conseguem utilizar a superestrutura de vigilância do Estado de diversas nações para identificar, persuadir e neutralizar qualquer ameaça contra o Estado de Israel. A mídia, nos seus diversos formatos, televisivos, impressos e virtuais, são apenas uma parte dessa rede que envolve também a formação de lideranças universitárias.

Na questão da linguagem percebe-se o elevado nível de sofisticação a que chegou a propaganda do imperialismo: a) um conscrito desarmado é chamado de “civil”; b) um colono ilegal é chamado de “vítima”; c) um prisioneiro de guerra é chamado de “refém”; d) a rebelião das massas palestinas contra um bloqueio sufocante por terra, mar e ar é chamada de “terrorismo”; e) a estabilidade do apartheid em Israel é chamada de “paz”; f) o antissionismo é chamado de “antissemitismo”; g) a agressão generalizada a qualquer palestino é chamada de “guerra contra o Hamas”- que, até mesmo segundo os critérios da ONU, não é uma organização terrorista -, entre tantas outras ideologias.

O sionismo acaba por revelar um dos aspectos mais controladores e autoritários, e da forma mais velada possível, da vigilância capitalista. E é contra esse colossal “Big Brother”, no melhor estilo de George Orwell, que esta nova escalada de uma mesma guerra que se iniciou em 1948 procura esmagar de uma vez por todas um projeto de uma pequena nação espremida entre o mar – guarnecido pelos dois maiores porta-aviões estadunidenses -, o Egito e uma estrutura estatal com poder nuclear.

“É o melhor investimento de três milhões de dólares que fazemos. Se não houvesse um Israel, os Estados Unidos da América teriam de inventar um Israel para proteger os seus interesses na região. Os Estados Unidos teriam de sair para inventar um Israel.” — Joe Biden, 1986

A Palestina e a união do proletariado

Ao longo da sua história, o proletariado tem participado ativamente em lutas nas quais, mesmo não sendo exclusivas da classe, ele precisou manter a sua autonomia e manifestar seu caráter. Na II GM lutamos como partisans contra o invasor nazista e fascista no continente europeu. Na China lutamos ao lado da burguesia contra o invasor japonês. Sempre que o extermínio de todo um povo pelo exército invasor foi uma possibilidade real o proletariado lutou junto com outras classes pela libertação. Em todos esses momentos o que definiu a diferença entre a manutenção da luta da classe e a entrega do poder na mão de outras classes foi o desenvolvimento da autonomia da classe durante todo o processo. A falha ou a capitulação frente a essa tarefa, a perda do horizonte da classe, a entrega do poder a representantes das instituições do Estado, organizar a recuperação da infra-estrutura destruída sem o controle do proletariado; foi isso que levou à derrota, não a mera participação na luta de libertação em si.

Agora, na Palestina, o proletariado novamente precisa se inserir numa luta que não é só sua, pela sobrevivência e libertação da opressão israelense. Um terço do PIB palestino vem do proletariado palestino que trabalha em Israel. Importante na economia palestina, porém com participação minoritária na vida política, é fundamental que os comunistas estejam aliados à essa resistência. Mais que isso, internacionalmente, a luta contra a desinformação sionista é parte importante da luta contra a invasão na faixa de Gaza.

Diante da ausência de protagonismo do proletariado na cena política mundial, o que resta aos palestinos é uma resistência organizada por grupos fundamentalistas islâmicos, sem nenhuma perspectiva comunista. Se a consciência de classe e a articulação do proletariado fossem realidade em nível transnacional, a barbárie sionista poderia ser enfrentada também por meio de greves de solidariedade que paralizassem mundialmente alguns setores estratégicos do capital. No entanto, quando nossa classe estiver com tamanha consciência e disposição também estará pronta para tarefas históricas muito maiores. ♟