A OTAN e o proletariado

A OTAN e o proletariado

A continuidade e escalada do conflito na Ucrânia revelou de modo evidente que o regime e as forças armadas ucranianas recebem irrestrito apoio de uma instituição em todos os setores (tecnológico, financeiro, logístico, armamentista, inteligência, informacional, entre outros). Trata-se da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Pelo perigo que representa ao proletariado mundial, devemos extrair uma posição sobre ela para atuar.

A OTAN por ela mesma

Fundada em 1949, segundo seus documentos oficiais, para “garantir a liberdade e a segurança de seus países membros por meios políticos e militares”. Políticos para promover “os valores democráticos” e permitir aos membros “consultar e cooperar em questões de defesa e segurança a fim de resolver problemas, construir confiança e, a longo prazo, prevenir conflitos”. Militares para atuar quando os meios diplomáticos falham e empreender “operações de gestão de crises” com base no artigo 5 de seu tratado fundador – cláusula de defesa coletiva – ou por mandato da ONU. A OTAN pode utilizar a força militar sozinha ou em cooperação com outros países e organizações internacionais.

Este princípio de defesa coletiva estabelece que “um ataque a um ou mais de seus membros é considerado um ataque a todos”. Consta em sua página oficial que até hoje o Artigo 5 foi invocado em uma ocasião, para responder aos ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA.

A OTAN se coloca como “uma aliança de países europeus e norte-americanos” para “conduzir juntos operações multinacionais de gestão de crises”. Para definir seus valores, tarefas principais, princípios fundamentais, objetivos e o que chama de “ambiente de segurança em evolução” adota “conceitos estratégicos” com vigência para períodos de 10 anos. Juntamente com o tratado de fundação, estas declarações decenais são seus documentos mais importantes. O atual conceito estratégico da OTAN, o oitavo, foi firmado em 29/06/2022, substituindo o sétimo de 2010. Um documento de 49 pontos divididos em 11 páginas que mostra claramente onde se está e para onde se pretende levar o mundo.

O conceito estratégico de 2022 da OTAN

Logo no prefácio se aponta para uma perspectiva global de atuação, a Rússia é acusada de destruir a paz, e são apontados os alvos, vagos o bastante para permitir enquadramentos amplos: terroristas, competidores estratégicos e autoritários. São esses que “desafiam os interesses e valores da Aliança”. Depois o documento passa para uma análise de conjuntura, definida por eles como “ambiente estratégico” e são definidas as tarefas centrais que a OTAN se autoatribui.

A primeira consiste em dissuasão e defesa contra competidores estratégicos “baseada em uma combinação apropriada de capacidades nucleares, convencionais e de defesa antimísseis, complementadas por capacidades espaciais e cibernéticas” para serem usadas “da maneira, no tempo e no domínio de nossa escolha” por meio de “uma presença substancial e persistente em terra, mar e ar, inclusive mediante o reforço integrado de defesa aérea e mísseis”. É neste tópico que a ameaça nuclear se revela: “A Aliança tem as capacidades e a determinação de impor custos inaceitáveis a adversários que superariam de longe os benefícios que poderiam esperar alcançar.”

A segunda tarefa é a prevenção e gestão de crises. Aqui o caráter de polícia mundial fica evidente ao extrapolar o âmbito de suas ações para além dos membros da aliança: “Aumentaremos o apoio a nossos parceiros, inclusive para ajudar a construir sua capacidade de combater o terrorismo e enfrentar os desafios de segurança compartilhados. Aumentaremos o tamanho e o escopo de nossa assistência de segurança e capacitação a parceiros vulneráveis em nossa vizinhança e fora dela, para fortalecer sua preparação e resiliência e aumentar sua capacidade de combater interferências malignas, prevenir a desestabilização e combater a agressão.”

A terceira e última é definida como segurança cooperativa. Aqui se aborda a ampliação da OTAN e áreas de potenciais focos de provocação de conflitos para alimentar a indústria armamentista. “Nossa porta permanece aberta a todas as democracias européias que compartilham os valores de nossa Aliança (…) A segurança dos países que aspiram a tornar-se membros da Aliança está entrelaçada com a nossa. Apoiamos fortemente sua independência, soberania e integridade territorial. (…) Continuaremos a desenvolver nossas parcerias com a Bósnia-Herzegóvina, Geórgia e Ucrânia para promover nosso interesse comum na paz, estabilidade e segurança euro-atlântica. (…) Os Balcãs Ocidentais e a região do Mar Negro são de importância estratégica para a Aliança. Continuaremos a apoiar as aspirações euro-atlânticas dos interessados países dessas regiões. Aumentaremos os esforços para reforçar suas capacidades de enfrentar as distintas ameaças e desafios que enfrentam e aumentar sua resiliência contra a interferência e coerção maligna de terceiros. Trabalharemos com parceiros para enfrentar ameaças e desafios de segurança compartilhados em regiões de interesse estratégico para a Aliança, incluindo o Oriente Médio e o Norte da África e as regiões do Sahel. O Indo-Pacífico é importante para a OTAN, dado que os desenvolvimentos nessa região podem afetar diretamente a segurança euroatlântica.” Destaca-se ainda neste ponto a defesa do capitalismo verde, a equiparação entre União Europeia e OTAN, e a futura guerra contra a China, acusada de lançar“desafios sistêmicos” à segurança euroatlântica.

“Dor a curto prazo, ganho a longo prazo define a perigosa escalada dos EUA e seus aliados ocidentais contra a Rússia e a China. O que é impressionante sobre a postura dos Estados Unidos é que busca evitar um elemento histórico que parece inevitável: o processo de integração eurasiano.” — Vijay Prashad

Rápida história da OTAN

Criada com o objetivo de impedir o avanço da URSS, somente após sua desintegração em 1991 que a OTAN passou a conduzir operações militares. Desde então, realizou intervenções nas guerras da Bósnia (1992), Kosovo (1998), Afeganistão (2001) e Líbia (2011). É esclarecedora uma breve passagem pelos objetivos e resultados dessas operações.

Dessas quatro intervenções, as duas primeiras foram para enfraquecer a Sérvia (única república da ex-Iugoslávia que nunca teve parcela de sua população em apoio ao nazismo), arrancando um pedaço de seu território, acabando com a Iugoslávia e criando microestados absolutamente inviáveis fora de uma dependência absoluta da União Europeia. A do Afeganistão serviu para criar um governo fantoche incapaz de se manter por si mesmo, arrasar a já precária infraestrutura de um país extremamente empobrecido e consolidar a dependência econômica do comércio do ópio.

Contudo, foi na Líbia que o caráter anticivilizatório da OTAN foi mais longe. País mais próspero da África até 2011 – com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do continente – energia elétrica, saúde e educação gratuitas, combustíveis baratos, com um banco estatal que concedia empréstimos a juro zero para seus cidadãos, sem dívida externa e possuindo 25% de sua população com diploma universitário. Submetida a bombardeios maciços, a ponto de ter toda a sua aviação eliminada em solo e a destruição de uma mega obra que levava água para um país no qual 90% de seu território é deserto, a Líbia foi transformada em sombra de si mesma. Incapaz de formar um governo, mergulhada em guerras tribais, quedas de energia constantes, sistema de saúde colapsado, infraestrutura eliminada, com um mercado de escravos a céu aberto, bolsões do Estado Islâmico, Al-Qaeda e outros guerrilheiros jihadistas praticando terrorismo contra a população, roubo de petróleo e tráfico de armas. Em resumo, o resultado da “Primavera” que as bombas da OTAN levaram para a Líbia foi um retrocesso de 2000 anos.

“A OTAN tem um jargão específico que é preciso conhecer. Termos como resiliência, enfoque de 360 graus, competidor estratégico ou rival sistêmico possuem um conteúdo polissêmico que muitas vezes escondem ou neutralizam significados mais precisos.” — M. Monereo

Instituições como a OTAN não devem existir

As palavras cuidadosamente selecionadas para legitimar a OTAN com uma ideologia democrática, não resistem aos fatos. Esta instituição nada tem de defensiva ou preventiva. Trata-se de aliança militar ofensiva e agressiva das classes dominantes dos países que fizeram as primeiras revoluções capitalistas (Inglaterra/1688, EUA/1776, França/1789) para impedir por todos os meios que condições de competitividade real sejam estabelecidas pelas classe dominantes dos países que realizaram revoluções capitalistas tardias (Rússia/1917, China/1949,Irã/1979).

Essa competição expressa uma lei do capitalismo segundo a qual esse modo de produção se desenvolve desigualmente e por saltos. As revoluções constituem tais saltos. Por serem economias que se expandiram além de suas fronteiras nacionais, competem por reunir áreas de influência que permitam reunir maior número de proletários e, assim, cada bloco procura ampliar a extração de mais valia de nossa classe.

Contudo, mesmo sendo blocos políticos e militares inimigos do proletariado, não são idênticos. E o resultado dessa confrontação não deve ser indiferente à nossa classe. Uma vitória do bloco do capitalismo tardio não está no horizonte de curto e médio prazo: ele se limita a resistir e lançar desafios pontuais e tenta se legitimar por meio de ideologias como a da “multipolaridade”. Uma vitória do bloco do capitalismo primevo significará o esmagamento das possibilidades de triunfo da revolução proletária mundial por tempo indeterminado. Isto se deve ao fato de que a existência de uma divisão entre as classes dominantes é a segunda condição mais importante para que o proletariado tenha chance de vencer burgueses e gestores. A primeira deve ser a existência de um movimento internacionalista – autônomo e independente – pelo comunismo com força suficiente para golpear aos capitalistas divididos.

Que fique bem claro, esse boletim não alimenta quaisquer ilusões ou simpatias pelo regime do reacionário de Putin na Rússia, pelo regime de moralismo religioso sufocante dos aiatolás no Irã ou pelo brutal capitalismo de Estado chinês. Mas a existência deles e de sua capacidade de resistir à OTAN é fundamental para que possamos fazer o nosso dever de casa: construir a luta proletária organizada contra todas as alianças militares e o militarismo em geral, por um mundo sem bomba atômica e armas de destruição em massa, sem Estados e administrado pelo Sistema de Conselhos Proletários.♟