Com as recentes tensões e conflitos armados se intensificando em várias regiões estratégicas da geopolítica capitalista, uma escalada que culmine em uma Terceira Guerra Mundial não parece mais um cenário distante. Diante disso, o proletariado precisa perceber que é o único ator político que, enquanto classe auto-organizada, pode impedir tamanho grau de destruição.
Maiores focos de tensão
Todos têm testemunhado o massacre que o Estado de Israel vem promovendo sobre os palestinos da Faixa de Gaza nos últimos 12 meses e mais recentemente a invasão do sul do Líbano em uma tentativa de expandir suas fronteiras colonizadoras sobre o Oriente Médio. Ao enfrentar a resistência legítima de grupos como Hamas e Hezbollah, apoiados pelo Irã, passou a realizar ataques contra o país persa, que não ficaram sem resposta.
Ainda no Oriente Médio é preciso citar a crise humanitária no Iêmen causada pelos ataques da coalizão liderada pela Arábia Saudita contra os iemenitas houthis, também apoiados pelo Irã. Fazem parte desta coalizão Egito, Marrocos, Jordânia, Sudão, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Qatar e Bahrein.
No leste europeu, o conflito instaurado em 2022 após a invasão russa na Ucrânia chegou a um estágio em que mesmo com o apoio da OTAN, parecem cada vez menores as chances do lado ucraniano recuperar todo o território perdido. Para agravar o cenário, após Rússia e Coreia do Norte firmarem acordo de cooperação militar, potências ocidentais afirmam que foram enviados cerca de 10 mil militares norte-coreanos para ajudar as forças armadas russas na linha de frente e ao mesmo tempo reforçar sua experiência militar em combate real, o que tem elevado as preocupações na Coreia do Sul.
Na Ásia, o principal foco de tensão militar se dá entre China e Taiwan diante da possibilidade de uma invasão com o intuito de reincorporar a ilha ao território chinês.
Assim, o que é preocupante não é só a existência de vários conflitos simultâneos espalhados pelo globo, mas a evidente existência de dois eixos antagônicos: de um lado os 32 países membros da OTAN somados a seus aliados e de outro a conjunção de interesses entre Rússia, China, Coreia do Norte, Irã e seus aliados de ocasião, quase sempre países vítimas de embargos econômicos dos EUA, como Venezuela e Cuba.
Parece claro haver uma mesma lógica permeando essa conjuntura: a decadência dos Estados Unidos da América como potência imperialista hegemônica. Tais conflitos reverberam em todas as peças do xadrez imperialista mundial, de modo que os EUA não admitirão perder influência sobre a América Latina, em especial o Brasil, com a maior reserva de água doce do mundo, a maior exportação mundial de produtos agropecuários e a segunda maior de minério de ferro, por exemplo.
“A retórica da aliança militar atlantista foi aumentando os decibéis e, sem levar em conta as consequências estratégicas, foram acomodando as duas potências emergentes, Rússia e China, como adversários, sem perceber que estavam cometendo um pecado mortal do ponto de vista estratégico: fundir a força de dois adversários numa única frente de combate.”
— Héctor Luis Saint-Pierre
Consequências para o Brasil
Embora cumpra um papel importante para os capitalistas ocidentais no sentido da estabilização das instituições burguesas no Brasil, o desejo petista por um maior protagonismo do capitalismo brasileiro na economia internacional nunca foi visto com bons olhos.
A consolidação do BRICS como articulação econômica de países de capitalismo tardio, que ganhou a alcunha de “bloco anti-ocidente” por iniciar a criação de um sistema monetário internacional alternativo ao dólar estadunidense, teve no Brasil um grande articulador. Inicialmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, em sua 15º Cúpula realizada em agosto admitiu novos membros: Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã, além de membros associados (Argélia, Belarus, Cuba, Bolívia, Indonésia, Malásia, Turquia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda).
Some-se a isso a postura de independência da diplomacia brasileira sobre conflitos internacionais, condenando os ataques israelenses sobre Gaza sem se preocupar em como isso iria repercutir junto à Casa Branca. Não creio que oficialmente seja essa a posição. Pelo contrário- a declaração oficial foi no sentido da manutenção das relações com Israel.
Assim, não obstante a volta de Donald Trump ao poder ou a vitória de Kamala Harris, é fundamental para os EUA o retorno de um presidente brasileiro alinhado integralmente à sua cartilha imperialista, como foi Bolsonaro, que abdicou de qualquer atuação internacional autêntica do Brasil, criou crises diplomáticas com a China e jurava amores por Trump e pelo Estado de Israel.
As eleições municipais comprovaram mais uma vez o crescimento constante de candidatos e partidos de extrema-direita na maioria das capitais brasileiras, e isso deverá impactar de forma relevante a disputa presidencial de 2026. Mesmo que Lula consiga se reeleger, será o último suspiro da social-democracia brasileira por um longo período, já que a tendência é de alternância no poder de candidatos de centro-direita e extrema-direita.
Desse modo, internamente e externamente o cenário não é nada favorável para a esquerda do capital por aqui. Além de uma desarticulação desse multilateralismo internacional brasileiro, a tendência é de um retorno ao alinhamento com a extrema-direita mundial, que vem chegando ao poder gradativamente em várias potências militares, fundando suas políticas em discursos de ódio, xenofobia e patriotismo barato.
Conflitos armados ao redor do globo historicamente têm servido para oxigenar a economia ianque, que possui um enorme complexo industrial-militar, mas a depender das proporções que tomarem podem antecipar o fim da hegemonia estadunidense no capitalismo global, que deve dar lugar à China, caracterizada em 2021 pela OTAN como um “desafio sistêmico”. A história já provou que nenhuma mudança de protagonismo nesse nível ocorre só com diplomacia e a destruição é o modus operandi das classes capitalistas, que nada constróem com as próprias mãos.
“O único meio para combater a guerra imperialista é a ação nacional em escala de massas pelo proletariado, empreendida simultaneamente pelo proletariado internacional inteiro.”
— Herman Gorter
O antídoto
Nenhuma guerra em grande escala é feita só com membros regulares das forças armadas, sempre é necessário o recrutamento forçado de civis, bem como um incremento da produção industrial que obriga o proletariado a uma condição de trabalho semi-escrava. Na linha de frente dessas guerras não haverá burgueses nem gestores, mas apenas proletários perdendo a vida por defenderem interesses contrários aos seus, matando outros proletários que nasceram em territórios diferentes, que falam outro idioma ou que professam fé religiosa diversa. Ressalte-se que partidos e sindicatos historicamente incentivam o recrutamento em prol da defesa da economia de seus países.
Diante disso, as tarefas mais urgentes da esquerda comunista em nível mundial são: o combate intransigente ao nacionalismo e ao patriotismo no seio do proletariado, a construção de uma articulação internacional de lutas com caráter eminentemente proletário e o resgate histórico das experiências de resistência militar proletária auto-organizada contra as investidas do imperialismo capitalista.♟