É impossível não perceber que a vida do proletariado ficou ainda mais difícil no Brasil nos últimos anos, basta analisar os crescentes níveis de desemprego, inflação e fome. Mas em um ano eleitoral é preciso compreender que esse cenário desolador não é obra apenas do atual governo de extrema-direita, foi gestado bem antes, pela apatia da classe e por inimigos internos.
Panorama econômico
Nos últimos dois anos o número de brasileiros passando fome quase dobrou, sendo 9,1% da população em 2020 e 15,5% atualmente, segundo levantamento da Penssan. Além disso, 58,8% das pessoas que aqui residem ou passam fome ou não têm certeza se irão comer a próxima refeição, situação chamada de insegurança alimentar pelos analistas. O menor índice registrado nos últimos vinte anos pelo IBGE foi em 2013, ano em que, ainda assim, a fome assolava 4,2% dos brasileiros.
Atualmente, há diversos relatos de pessoas se endividando junto a agiotas para garantir um sustento mínimo ou então para comprar gás de cozinha, além de cenas que ganharam repercussão recente em que comunidades cercavam caminhões de lixo em busca de comida.
Em substituição ao Bolsa Família, Bolsonaro fracassou em implementar o Auxílio Brasil, política pública de difícil acesso a quem precisa. Além disso, desativou um programa que subsidiava a agricultura familiar destinando parte de sua produção à merenda escolar. Some-se a isso a atual onda de alta inflacionária que, segundo dados do IBGE, eleva principalmente os alimentos in natura como abobrinha, cenoura, batata, cebola e repolho, sem que o governo federal tome nenhuma medida para reverter esse quadro. Ao contrário, comemora em seus canais oficiais a safra recorde de grãos prevista pela Companhia Nacional de Abastecimento para esse ano, na qual só em milho, soja e trigo espera-se mais de 260 milhões de toneladas.
Fica claro que não se trata apenas de crise alimentar, mas de uma intensificação sistemática e perversa dos níveis de exploração. O proletariado recebe cada vez menos pela força de trabalho que vende, simples assim. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego dão conta de que o salário recebido em abril de 2022 por quem tem carteira de trabalho assinada é quase 10% menor do que o de janeiro de 2020. Impossível não associar à reforma trabalhista do governo Temer e do então Ministro da Fazenda Henrique Meirelles que afirmou em rede nacional que a hora trabalhada no brasil tinha que custar menos e se tornar mais produtiva.
Como consequência, de abril de 2021 para abril de 2022 o número de famílias endividadas passou de 67,5% para 77,7%, como aponta estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. E, se há alguns anos o endividamento era para comprar casa própria, carro ou estudos, agora é voltado à satisfação do consumo imediato, ou seja, contas de água, energia e supermercado. Some-se a isso tudo o constante aumento no valor dos combustíveis, atrelado às flutuações do mercado financeiro, que encarece toda a cadeia produtiva.
Segundo pesquisa do Datafolha, 63% dos brasileiros afirmam não ganhar renda suficiente para sustentar suas casas, enquanto que apenas 5% ganham mais do que o suficiente. Não por acaso, a revista Forbes anunciou que em 2021 o Brasil viu surgir 42 novos bilionários, sendo que juntos eles acumularam 1,9 trilhão de reais só no primeiro semestre daquele ano.
Tais indicadores se complementam e fazem total sentido. Proletários com fome e endividados aceitam trabalhar por valores cada vez menores para sair do desemprego e, caso empregados, tendem a se tornar mais produtivos e aceitar as imposições dos gestores, com medo de perder o pouco que já têm.
Enfim, é desolador constatar que o proletariado brasileiro trabalha cada vez mais, ganha cada vez menos e em pleno ano de 2022, dada a potência tecnológica da produção agrícola mundial, nem os alimentos mais básicos escapam da lógica mercadológica capitalista.
“Excelência, deixa eu ficar preso até o jantar? Estou com fome, tem dias que eu não como…”
— Luan Vitor da Silva – servente de pedreiro – em uma audiência de custódia em Minas Gerais
Colhendo os frutos
Na gestão Bolsonaro, impera um misto de incompetência gerencial e indiferença (que beira a psicopatia) quando se trata de assuntos que possam minimamente beneficiar a imensa fatia de baixa renda da população, proletária ou não. Trata-se de um governo com a cultura de sadismo dos quartéis a serviço da burguesia, em especial a do agronegócio e a do mercado financeiro, liderado por um presidente que fracassou em sua tentativa de ser um populista de extrema-direita e, segundo as pesquisas atuais, corre o risco de ser o primeiro presidente eleito a terminar um mandato sem se reeleger, analisando-se a partir da retomada da democracia em 1989.
Cenário ideal para a socialdemocracia, mais notadamente o PT, que ressurge depois de quatro anos de um silêncio estratégico que adotou com o objetivo de evitar desgastes políticos e chegar “inteiro” nessas eleições, tendo deixado para o STF a tarefa de frear algumas ofensivas inconstitucionais e autoritárias do chefe do Executivo. Assim, apostará em despertar saudosismo em boa parte do eleitorado em relação aos três mandatos e meio em que ocupou o planalto, período em que implementou programas de combate à fome e no qual a inflação estava controlada, garantindo maior capacidade de consumo a trabalhadores de baixa renda.
Ainda, dirá que agora sua meta primordial é salvar a democracia, como se nesse regime os capitalistas magicamente se tornassem mais compreensíveis com as causas do proletariado.
“O fato de uma nação como a italiana, em que massas da população passavam fome, seguir com tanto fanatismo o chamado às armas, sem qualquer rebelião, já estava sendo esperado, mas não é compreensível. Serviu para reforçar a crença geral de que não somente o mundo em alguns lugares é governado por indivíduos nos quais os psiquiatras têm forçosamente de descobrir sintomas de doença mental; mais ainda, os homens de toda parte do mundo na realidade são mentalmente enfermos; reagem mentalmente de forma anormal, acham-se em conflito com os seus próprios desejos e possibilidades reais. Eis alguns sintomas de reações anormais: morrer de fome na abundância; expor-se ao frio, à chuva e à neve, apesar da abundância de carvão, máquinas de construção, milhões de quilômetros de área livre etc.” — Wilhelm Reich – novembro de 1935
Ressalte-se, no entanto, que mesmo dentro do que a democracia burguesa permite, o PT fez muito pouco nesse sentido enquanto esteve no poder e poderia ter sido feito por qualquer governo de direita minimamente competente. Afinal, que programas de combate à miséria são esses que se esfacelam com uma simples canetada de um novo presidente? Eram apenas programas de governo, medidas paliativas que sequer foram inseridas na lógica de funcionamento do Estado. Afinal, destinar uma parcela irrisória do orçamento à concessão de bolsas é muito mais fácil do que aumentar a renda ampliando direitos trabalhistas, por exemplo, pois não agride a extração de mais-valia por parte dos capitalistas e ainda cria um vínculo político de dependência entre os beneficiados e o governante em questão.
Ocorre que todos esses índices econômicos nefastos que atingem o proletariado atualmente são apenas ataques das classes capitalistas que sempre existiram, a diferença é a falta de qualquer resistência, e nisso o PT possui imensa contribuição. Conforme já expusemos em diversas edições desse Boletim, a recente apatia do proletariado no Brasil, para além do descenso mundial da consciência proletária, agrava-se especialmente como resultado de mais de uma década de governo pautados pela ideia de aliança de classes. A perda de identidade do proletariado, somada à crença nas instituições capitalistas e a desarticulação das bases dos principais movimentos sociais e sindicais que influenciavam a agenda política até o início dos anos 2000, mesmo com todos os equívocos que possuíam, são fundamentais para entender o cenário atual. Não é possível se ausentar da luta de classes, mas já que não estamos organizados a ponto de realizar ofensivas, nos resta a resistência ou uma vida cada vez mais precarizada.
É apenas isso o que se recebe quando se normaliza o capitalismo como único sistema possível. O vazio da fome é, em última instância, fruto do esvaziamento da identidade de classe, pois sem nos enxergarmos do mesmo lado na exploração capitalista, continuaremos unidos apenas nos índices econômicos e estatísticos indicadores da miséria.♟