Boletim Batalhar: 100 edições

Boletim Batalhar: 100 edições

No último mês de maio publicamos nossa edição de número 100, após uma longa caminhada que se iniciou justamente em maio de 2015. Além de comemorar esse marco, consideramos importante lançar sobre nossa atuação um olhar retrospectivo, passando pelas principais conclusões a que chegamos nesses nove anos de análise da realidade proletária no Brasil e no mundo.

As armadilhas da democracia burguesa

Em diversas edições abordamos os ataques que o capital realizou contra o proletariado por meio da legitimação que um sistema supostamente democrático lhe confere. Reforma trabalhista, da previdência e do ensino médio são apenas alguns exemplos do que acontece quando o proletariado perde o protagonismo na conjuntura política, independente do candidato que vier a ganhar as eleições.

Também demonstramos que a defesa da democracia não enfraquece as correntes políticas de extrema direita, pelo contrário, estando ambas contidas no espectro político da defesa do capitalismo, são na verdade uma falsa polarização, apresentadas como únicas opções possíveis de projeto de sociedade. Tanto a socialdemocracia quanto o fascismo só podem ser combatidos por meio da luta proletária auto-organizada contra os capitalistas em geral, sejam burgueses ou gestores.

Outro fator que tem gerado inúmeros danos e determinado os rumos de muitas lutas, principalmente nos locais de estudo, são as pautas identitárias. As questões relacionadas à opressão de gênero e ao racismo se apresentam desvinculadas de um caráter de classe, tendo em vista o descenso mundial das lutas proletárias desde o início dos anos 1980. Como consequência, parte do proletariado é levada a defender reformas na legislação que aumentem o poder
repressivo do estado, por meio de polícias e judiciário, contra os ofensores e agressores dessas “minorias”. Também são propostas uniões policlassistas em torno de atributos biológicos. Enquanto isso, outra parte da classe acaba se afastando desses movimentos, e começa a simpatizar com ideologias de extrema direita. Com os explorados e oprimidos pulverizados, o capital sempre sai ganhando.

Outro tipo de militância que abordamos é a dos ecologistas. Incapazes de pensar um mundo para além do capitalismo, contentam-se em pintá-lo de verde. Limitando-se a defender que setores da produção sejam mais bem regulamentados, acabam por não questionar a relação de exploração do homem pelo homem que se reflete de forma predatória sobre todos os recursos naturais. Tampouco questionam a lógica da mercadoria, nem propõem uma ciência sem patentes, a serviço de toda a humanidade. O cuidado de preservação que o planeta merece só será possível em um mundo sem classes e sem fronteiras, mas essa tarefa é muito mais complexa e árdua do que simplesmente boicotar determinadas empresas nas prateleiras dos supermercados.

“A imprensa diária e o telégrafo, que em um instante difundem invenções por todo o mundo, fabricam mais mitos (e o gado burguês acredita neles e aumenta com base neles) em um dia do que antes se fazia em um século. ”
Karl Marx, 1871

Mundo do trabalho

Também dedicamos vários números a retratar a materialidade do proletariado, seja afirmando o pertencimento de classe de algumas categorias que muitas vezes não se vêem ou não são vistas como tal, seja retratando a progressiva piora nas condições de vida da maioria dos assalariados e informais.

Para tanto, consideramos proletários todos aqueles que vivem da venda de sua força de trabalho e que não desempenham funções de gestão da produção ou da distribuição das riquezas. Ao nosso ver, trata-se de um critério suficiente para analisar a luta de classes e que resiste às transformações que as inovações tecnológicas têm gerado no mundo do trabalho. Dessa forma, desconsideramos as diversas formas jurídicas por meio das quais o capital divide e hierarquiza os explorados (CLT, estatutário, informal, desempregado, micro-empresário individual, autônomo, avulso, etc.). Tampouco consideramos como critério de análise as diversas faixas de renda desses trabalhadores, já que um salário mais alto apenas representa um grau mais intenso ou sofisticado de extração de mais-valia.

Também chamamos a atenção para o fato de que ainda estamos trabalhando, em média, oito horas diárias e quarenta horas semanais e que muitas vezes essa jornada é tratada como um privilégio por setores mais precarizados. Trata-se de uma conquista de mais de cem anos, e de lá pra cá a humanidade experimentou avanços tecnológicos surpreendentes, o que prova que não existe tecnologia neutra ou alheia à luta de classes, e que só a luta contundente e auto-organizada contra o capital pode gerar conquistas.

Questões internacionais

Em vários números do BB nos detivemos sobre a conjuntura política de outros países, fossem revoltas populares, guerras ou eleições. Nossa intenção sempre foi analisar friamente os acontecimentos, sem ilusões. Assim, quando a socialdemocracia vibrava com algum movimento de massas, afirmamos não haver qualquer caráter revolucionário nos mesmos. Quando parte da esquerda festejou a eleição de algum candidato considerado progressista, fomos claros em classificá-lo como apenas mais um inimigo de classe, um gestor responsável por apaziguar os ânimos dos trabalhadores e legitimar ainda mais o estado burguês em suas consciências.

Tampouco escolhemos lado em conflitos entre países imperialistas, pelo contrário, afirmamos que apesar da destruição e barbárie que geram, se o proletariado adquirir uma postura ativa na luta de classes precisará explorar esses conflitos internos entre as facções capitalistas.

“Tivemos, porém, a satisfação de ser o único jornal da Alemanha e quase de toda a Europa a manter erguida a bandeira do proletariado derrotado, num momento em que os burgueses e os pequenos-burgueses de todos os países lançavam sobre os vencidos as calúnias mais imundas. (…) Jamais um jornal alemão, antes ou depois, teve a força e a influência da Nova Gazeta Renana, nem soube, como esta, galvanizar as massas proletárias. ”
Friedrich Engels, 1884

Lições históricas

Nas edições sobre lutas históricas do proletariado tentamos tirar conclusões acerca dos erros e acertos da classe quando se propôs a desafiar e derrubar o sistema capitalista, principalmente ressaltando a importância da criação das instituições capazes de organizar uma sociedade sem classes em nível global, sem perder de vista o combate aos inimigos internos.

Desde a Comuna de Paris, quando o proletariado assumiu, por algum tempo, o protagonismo na política, ele esteve despreparado para se organizar de forma independente das outras classes. Apenas alguns poucos apontaram a necessidade do caminho contrário à conciliação de classes com a pequena-burguesia. Com isso, o proletariado não é capaz de desenvolver organizações com autonomia de classe. Apesar de em alguns momentos históricos nossa classe ter ensaiado essa independência, as ilusões democráticas e a conciliação permanecem uma realidade, que conduzem o proletariado ao reformismo e/ou imobilismo.

Foi o que se viu na Revolução Russa, ocasião do surgimento dos soviets, primeira experiência revolucionária dos conselhos proletários enquanto instituição de autogestão social, desmobilizada em prol do projeto de poder estatal dos bolcheviques em um país de capitalismo ainda incipiente. Seguida pela Revolução Alemã, em que os conselhos proletários já se apresentam de forma mais sólida, mas por falta de ímpeto revolucionário a classe entrega suas tarefas nas mãos da social-democracia e, poucos anos depois, vê o fascismo surgir como consequência. Assim como no Chile, mais de cinquenta anos depois, quando a classe já estava pronta para tomar em suas mãos a gestão da produção, mas não rompeu com a legalidade e a socialdemocracia a tempo, acabando por sofrer na pele com uma ditadura sanguinária.

Como conclusão, sempre asseveramos que a luta pela criação de um sistema global, baseado na autogestão da vida material, na abundância de tudo o que for necessário e no tempo livre, é tarefa única e exclusiva do proletariado. Nessa luta, não poderá contar com intermediários que se proponham a realizar essas tarefas, tais como sindicatos, partidos políticos, ou gestores, e nem trilhar o caminho da tomada do poder de estado. A nova sociedade passa pela construção das próprias instituições, e os conselhos proletários foram o maior feito nesse sentido até hoje.♟