O difícil ano de 2021
Continuamos com a companhia indesejável da COVID-19 e seus custos sanitários, sociais, emocionais e econômicos que atingem sobretudo o proletariado. Um outro vírus com um poder ainda mais letal também está contaminando a maioria esmagadora da sociedade brasileira – é o vírus do empobrecimento.
Se no início da pandemia da COVID o presidente gostava de imputar à China a “criação” do Sars-Cov-2, foi criação sua o empobrecimento massivo da população brasileira, orquestrado em seu gabinete por medidas diversas levadas a cabo em diferentes áreas do seu governo.
O fato é que tivemos (e continuamos a ter) um gestor que unificou e agudizou os malefícios causados por essas duas mazelas e que nos trouxe a situação que hoje nos encontramos: salários congelados, redução drástica de poder de compra, devido a inflação que até novembro já acumulava o índice de 10,74%, desemprego crescente girando em torno de 13% (o dobro da média mundial e a pior entre os membros do G20), meses sem auxílio emergencial, ciência e educação desdenhadas. Gás de cozinha, combustíveis e energia elétrica com preços totalmente descontrolados, tiveram neste ano aumentos acumulados na ordem de 30%, 73% e 25% respectivamente. Some-se a tudo isso uma campanha constante em favor da proliferação do vírus, com atraso deliberado na compra de vacinas, promoção de aglomerações sem máscara, desprezo pelas melhores práticas de prevenção e outras aberrações que vieram à tona com a CPI da COVID. Isso sem falar nas inúmeras declarações do presidente, sem nenhum embasamento científico, imputando falsamente sequelas e graves problemas de saúde decorrentes da vacinação. Trata-se de um variado e amplo pacote de sabotagem de tudo que aponte para uma rápida superação da pandemia. Agora com a chegada das festividades de final de ano e a imposição de demandas da indústria do turismo, começou o vale-tudo para combater o passaporte vacinal. O Ministro da Saúde chegou a declarar que “é preferível perder a vida a perder a liberdade”. Diante disso, não deixa de ser no mínimo interessante que os dados acerca da saúde do nosso principal mandatário e de seus familiares estejam protegidos por sigilo pelo prazo de 100 anos. Será que ele tomou a vacina escondido?
Assim como Juscelino Kubitschek, que tinha um lema de crescer “50 anos em 5” para referenciar o desenvolvimento que o país teria durante seu governo, Bolsonaro também quer que seu período na presidência valha por um múltiplo de 10 só que em sentido contrário, ou seja, regredir 40 anos em 4. O espaço deste Boletim seria insuficiente para enumerar o desmonte que vem sendo levado a cabo pelo governo: arte e cultura sucateadas e uso da burocracia para censurar conteúdos considerados impróprios, meio ambiente degradado com ingerência direta nos órgãos de fiscalização impedindo-os de cumprir seu trabalho, garimpo liberado, vista grossa (ou estímulo velado) a milícias, crescente criminalização de movimentos sociais (agora no apagar das luzes do ano tentaram aprovar urgência para uma nova lei antiterrorismo), perseguição e agressão a jornalistas e por aí vai. Mas na raiz de todas essas medidas e tantas outras está o principal objetivo deste governo e, sobretudo, da sua equipe econômica: promover a maior transferência de recursos possíveis do trabalho para o capital. Em outras palavras – promover e garantir o aumento sistemático da já absurda concentração de renda para as classes dominantes. E para que o plano deles se cumpra não há limites: serão feitas quantas reformas sejam necessárias (trabalhistas, previdenciárias, administrativas etc.), para assegurar que o proletariado receba o mínimo e que trabalhe o máximo de tempo que seu corpo aguentar – pouco descanso e, preferencialmente, que morra antes da aposentadoria.
Recolocar o Brasil no cenário mundial como um mero fornecedor de produtos com baixo valor agregado também faz parte desse pacote. Por isso, um governo que fala tão grosso aqui dentro fala tão manso com países como os EUA, por exemplo. No entanto, a subserviência não tem servido para melhorar a situação do país no exterior. Até mesmo integrantes das classes dominantes têm reclamado (sobretudo os ligados ao agronegócio) dizendo que a imagem do país é a pior da história e que isso cria problemas para o ambiente de negócios. Parte da burguesia parece desejar que o Brasil volte a exercer imperialismo em algum nível.
“Quando a classe parece morta e a luta é só uma lembrança, quando a noite parece eterna e o futuro não passa de uma promessa, nos perguntamos: vale a pena? Quando a história se torna farsa e outubro não é mais que um mês, quando a memória nos falta e maio se transforma em festa, nos perguntamos: vale a pena? Mas quando entre camaradas nos encontramos e ousamos sonhar futuros, sabemos que vale a pena.” — Adaptado de Mauro Iasi
Pitadas de 2022: o que vem por aí…
Tudo que está ruim, sempre pode piorar. E talvez essa seja a melhor forma de iniciar uma prospectiva para o ano vindouro. Mas como esse não é um exercício de quiromancia onde tudo parece estar predeterminado, o que segue são tendências. O proletariado pode e deve organizar-se para lutar e mudar esse cenário.
Reforma Trabalhista: insatisfeitos com a reforma de 2017, já está em estado avançado de desenvolvimento mais uma fatia da reforma trabalhista. Entre as medidas há propostas que o governo já tentou aprovar anteriormente como a Carteira Verde e Amarela, a liberação geral do trabalho aos domingos, a abertura de agências bancárias aos sábados e algumas “inovações”: a proibição explícita do reconhecimento de vínculo empregatício para trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos, o fim do pagamento da multa de 40% do FGTS em demissões sem justa causa e a unificação do FGTS com o seguro-desemprego. De brinde, ainda há a previsão da legalização da greve de empresários, o famigerado “locaute”, cenário ideal para os capitalistas do setor de transportes promoverem suas “greves de caminhoneiros”. Será que novamente repetirão a ideologia de que o objetivo é gerar empregos?
Crise hídrica/energética: está anunciada desde 2001, quando vários estudos foram feitos e as previsões climáticas não foram levadas a sério. Este governo em especial se mostra totalmente incompetente para gerir qualquer crise que seja. Prefere criar factoides para desviar a atenção das situações graves a enfrentá-las. Todos sabem o quanto o preço da energia elétrica impacta na inflação e sabemos quem são sempre os mais prejudicados.
Continuidade da inflação, carestia e desemprego em níveis elevados: O próprio governo admite que, no próximo ano, a inflação deve continuar, embora previsões do Banco Central apontem para um patamar de 5,5%, sabemos que tais projeções costumam ser otimistas para animar o mercado financeiro. O fato é que muito provavelmente seguiremos com os preços nas alturas, incluindo aí o custo dos alimentos, gasolina, gás de cozinha e energia elétrica.
Eleições: antecipação do clima de campanha eleitoral pelas forças tanto da direita quanto da esquerda do capital, com um bombardeio de pesquisas tentando manipular a vontade do eleitorado para os interesses de quem as pagou. Sérgio Moro tem apresentado as melhores credenciais para se tornar a opção de um setor do capital que deseja um “bolsonarismo” sem Bolsonaro. Parece ter a missão de tirar eleitores da extrema-direita bolsonarista para aplicar e aprofundar um programa idêntico ao do atual governo. É quem melhor tem encarnado a ideologia da “terceira via”.
“Aprendi neste oficio que os que mandam não só não se detêm diante do que nós chamamos absurdos, como se servem deles para entorpecer as consciências e aniquilar a razão.” — José Saramago
E o proletariado?
Após anos de governo PT em que o proletariado acreditou que a solução viria do Estado, mais uma vez estará diante do dilema de enfrentar todos estes ataques ou viver cada vez pior. Mas além de se preparar para o enfrentamento precisará evitar armadilhas que 2022 nos reserva. Talvez a maior delas seja a armadilha eleitoral. Antes de pensar em partidos ou candidatos, refletir sobre o significado das eleições no capitalismo, para daí extrair critérios para se posicionar e atuar sem ilusões. Como um modesto primeiro passo, convidamos nossos leitores a uma leitura de final de ano, a obra Ensaio sobre a Lucidez, romance de José Saramago, no qual o autor faz uma alegoria sobre o sistema político e as instituições que nos governam.♟