Camisas amarelas: caia quem quiser

Camisas amarelas: caia quem quiser

Durante o mês de março, diversas pessoas foram às ruas protestar contra a corrupção e pedir a saída da presidente Dilma. Contudo, unificados por esta pauta conveniente e quase inquestionável – afinal ninguém é a favor da corrupção – há interesses muito bem definidos, embora não explícitos, da dita oposição ao governo que manobra para estar no seu lugar. Ela é formada e financiada por setores econômicos bem precisos com suas respectivas expressões políticas.

Os chamados “coxinhas”, termo impreciso que mais confunde que explica, são formados por setores das camadas médias, pela classe burguesa e dos gestores capitalistas: profissionais liberais, pequenos e médios comerciantes e elite econômica nacional, industriais, pessoas ligadas ao agronegócio e à administração do mercado financeiro. Ou seja, aqueles(as) que saíram às ruas com o rosto pintado de verde e amarelo enquanto vestiam, com orgulho a camisa de uma das instituições mais corruptas do Brasil – a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), investigada por um esquema que envolve um pagamento de propina de mais de cento e vinte milhões de reais a seus últimos três presidentes -, são na sua maioria pessoas que não fazem parte do proletariado. São dos extratos economicamente mais privilegiados, que segundo o Datafolha, possuem em média 38 anos de idade e 5 salários de renda (por volta de quatro mil e quatrocentos reais – muito acima da renda da classe proletária).

A expressão política destes grupos são Movimento Brasil Livre, Revoltados on-line e Movimento contra a corrupção. Que, como publicado no Batalhar N° 6, encabeçam as manifestações de direita e têm ligações íntimas com partidos como PSDB, DEM e PMDB. Para este polo hoje há a necessidade e o interesse de um governo que faça ataques à classe proletária de forma rápida e eficiente e são esses os partidos que implementariam estas mudanças de forma mais rápida e sem pudores.

O fascismo foi a conseqüência de dois fracassos: o primeiro, dos revolucionários, que foram massacrados pelos sociais democratas e seus aliados liberais; o segundo, dos liberais e social-democratas incapazes de gerenciar efetivamente o capital.” — Jean Barrot/Gilles Dauvé

Estes ataques à classe proletária consistem no corte de direitos dos trabalhadores tendo por base a reforma da previdência e alterações da legislação visando majorar a flexibilização do trabalho. A saída às ruas dos “camisas amarelas” é pela necessidade de substituição do atual governo, que necessita de maior tempo para efetuar as mudanças para a reprodução ampliada do capital, pois se vê obrigado a negociar com suas bases sociais e sindicais de apoio. Um fato que sustenta esta tese é a participação da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de SP) nas manifestações. Essa instituição tem abertamente dado apoio logístico e financeiro para os movimentos que organizam a revolta dos “camisas amarelas”. A FIESP é diretamente interessada nas mudanças que os capitalistas esperam que ocorram com o impeachment do governo. Mudanças essas que para classe proletária significam retrocesso e mais uma derrota histórica.

Devido a opção estética, a utilização das cores verde e amarela, e defesa de alguns “valores” e entoadas do hino nacional, pode-se fazer um paralelo entre os novos manifestantes da direita com a dos Integralistas dos anos 30, movimento de ultra direita e nacionalista com inspiração nos movimentos fascistas europeus. Assim como os novos ativistas da direita, os integralistas utilizavam uniformes com as cores verde e amarela, referências à bandeira nacional. A paranoia anticomunista, a evocação à pátria e à agressão física a pessoas identificadas como de esquerda são também pontos comuns entre o Integralismo e a “nova” direita. Para ilustrar este paralelo é no mínimo curioso que um dos mentores jurídicos do impeachment, Miguel Reale Junior, ligado ao PSDB, seja o filho caçula de Miguel Reale, um dos fundadores da Ação Integralista Nacional e assessor jurídico em 1967 do militar presidente Costa e Silva.

Outro fator importante são os resultados das jornadas de Junho de 2013 que tiveram como consequência uma nova realidade com o desaparecimento da esquerda autônoma enquanto posição política na rua, espaço preenchido pelos “camisas amarelas”. Ocorreu ainda uma apropriação de métodos utilizados anteriormente pela esquerda autônoma, sob nova forma em bases anti-intelectuais (vazias): a busca pelo apartidarismo, convocações em massa, a criação do MBL (Movimento Brasil Livre) como referência direta ao MPL (Movimento Passe Livre), gritos antes entoados durante as jornadas de 2013 ganharam as suas versões da direita (“quem não pula é comunista”), entre outros.

Sempre que a hostilidade aos ricos não é acompanhada por nenhum sentimento de classe, o fascismo não anda longe.” — João Bernardo

Há também uma parcela do proletariado que, com insuficiente ou deformada consciência de classe, se ressente pelas promessas não cumpridas e em meio aos escândalos protagonizados pelo governo que elegeu, acaba adotando a alternativa que tem sido disseminada com maior veemência. Mas o proletariado não pode se iludir, pois estamos diante de mais uma manobra das classes capitalistas (burguesia e gestores) para atingirem seus interesses de classe que são antagônicos aos nossos. Tais manobras, que nesse momento aparecem sob a forma de um movimento que reúne a velha direita conservadora, a extrema direita e o que há de mais retrógrado no capitalismo brasileiro, sob a máscara ideológica de que a sua causa é a causa da “nação brasileira”: combater a corrupção e promover uma cruzada pela “limpeza” do país, como se seus interesses privados e econômicos não estivessem em jogo. É interessante relembrar que muitos dos presos da Lava Jato são empresários e como dissemos a FIESP é uma financiadora das manifestações dos “camisas amarelas”, há assim uma seletividade em quem é alvo desses protestos. Por isso facilmente cai por terra a ideia de que este movimento é uma cruzada pela moralização da política.

Nesse contexto, presenciamos ainda o aparecimento de “heróis nacionais incorruptíveis” com sua “aura salvadora” que procuram agir acima e contra a lei para atingir o resultado esperado, comportamento típico do autoritarismo da extrema-direita que despreza a própria democracia, comprovadamente o melhor regime para o capitalismo. Percebe-se também, em tais ações ilegais, total despreocupação com tal forma de agir, pois o que se pretende ao acelerar abusivamente o processo de impeachment é, novamente, chegar a administração estatal para implementar com maior velocidade os ataques à classe proletária e do jeito que melhor lhes convier, sem precisar negociar com burocracias sindicais, estudantis e rurais.

Para o proletariado, contudo, a realidade não se apresenta como se fosse um duelo de batman contra super homem, no qual um dos dois aparece para salvar o dia. Pois, tanto o homem morcego como o jovem da capa vermelha são dois playboys disfarçados de justiceiros (não por acaso agradam aos “camisas amarelas”), que não representam o interesse dos diariamente explorados. Se, de fato há o desejo de lutar contra a corrupção, deve-se lutar contra o capitalismo, pois a corrupção é elemento natural e formador desse modo de produção. E para a derrocada de tal, o proletariado deve adotar as formas de auto-organização nas suas lutas como estratégia para a conquista de reivindicações que se materializem em reais benefícios para a vida de quem vive do próprio trabalho. Pois, se o proletariado não lutar por ele mesmo, ninguém o fará.