O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips recolocou o holofote sobre a temática ambiental, em especial à exploração desenfreada do bioma da Amazônia. Em coro com a pressão internacional, resgatou-se o apelativo discurso de “crise ecológica”, que ganha ainda mais peso com a sucessão de ataques do governo Bolsonaro a políticas públicas relativas ao meio ambiente; ao enfraquecimento de instituições estatais como IBAMA e ICMBio; ao encerramento de programas de monitoramento de desmatamento, como o desenvolvido pelo INPE, e a série de desrespeitos aos povos tradicionais e reservas indígenas espalhadas pelo país. Mas será que a crise é apenas dos ecossistemas?
Crise ambiental ou questão de classe?
De acordo com a ciência, para qualquer espécie, o ambiente caracteriza-se pela sua interação com o meio abiótico (elementos não vivos, como água e rochas) e com as outras espécies. Entre estes três grupos se estabelece uma relação de dependência dinâmica. Todas as espécies extraem recursos do meio e geram dejetos. Quando a extração de recursos ou a geração de dejetos é maior do que a capacidade do ecossistema de reproduzir os primeiros ou reciclar os segundos, estamos frente a uma crise ambiental.
Por outro lado, todo ecossistema tem uma certa capacidade de suporte de uma espécie. Isto é, ele pode manter e reproduzir um certo número de indivíduos. Quando a população cresce demais, rompendo o equilíbrio dinâmico do sistema, também se produz uma crise ambiental.
É comum transportar estes raciocínios para a sociedade humana. Assim, diversos setores da esquerda atribuem a crise ambiental contemporânea a fatores como poluição de corpos d’água, demografia galopante ou industrialização excessiva. Este ponto de vista é equivocado. Pois, a sociedade humana não estabelece relações com o seu entorno na forma de bloco, mas sim por grupos e classes sociais, e de maneira desigual. Se por um lado o proletariado, privado do domínio das suas condições de existência e da sua relação com o ambiente, exerce pressões sobre este em virtude de sua precariedade, por outro, a burguesia, detentora dos meios de produção, o faz pela exploração, obtenção de mais valia e do desperdício – uma vez que o modo de produção capitalista não visa satisfazer diretamente as necessidades humanas, mas sim obter lucro.
Assim, para combater as ditas crises ambientais, como em tudo, deve-se ir à raiz do problema. Devemos combater o capitalismo, e não o tornar ecologicamente correto como a esquerda do capital defende.
“[…] falar das relações homens/natureza sem falar destas mediações, da relação entre os homens e as condições da sua atividade (os seus laços com os utensílios e os outros homens no seio duma sociedade determinada), como fazem os ecologistas, é falar para não dizer nada.” — Tom Thomas
A pandemia não deteve o ímpeto da burguesia agrária brasileira
Em períodos de refluxo de lutas sociais generalizadas, como o que estamos enfrentando, a exploração do proletariado tende a aumentar. O mesmo ocorre com os recursos naturais. Além disso, fatores como os quase 10% de brasileiros desempregados e o contínuo processo de desindustrialização do Brasil com a expansão do agronegócio que devolveram ao país o lugar de mero exportador de matéria prima no cenário mundial, fazem com que aumente a taxa de extração tanto da mais valia relativa – por meio de investimentos em tecnologias do agro – quanto de mais valia absoluta – por meio da precarização das condições do trabalhador rural (em 2016, a Comissão Pastoral da Terra, registrou 68 ocorrências de violações trabalhistas análogas à escravidão, abrangendo 751 proletários rurais).
Meio ambiente: mais um espaço de disputa entre diferentes setores do capital
Diferente do proletariado, o caráter histórico da burguesia não é de se organizar enquanto classe homogênea. As suas características heterogêneas são moldadas pelas disputas entre as diferentes facções que a compõem, quase como as organizações mafiosas. A única coisa que as une completamente é na luta contra o proletariado quando este ameaça seus interesses. Um dos primeiros exemplos históricos foi a Comuna de Paris em 1871: não só distintos setores da burguesia, mas também todo o aparato estatal de nações em guerra se uniu contra o proletariado auto organizado. É importante recordar esse fato para entender disputas capitalistas no tema meio ambiente, apenas mais uma fonte para extrair mais-valia. O atual conflito na Ucrânia vem demonstrando isso de uma forma singular. A escolha europeia, capitaneada pela Alemanha, de abandonar a autonomia energética ao substituir combustíveis fósseis poluentes e a energia nuclear por um dos combustíveis fósseis menos poluentes, no caso o gás natural, deixou a sua burguesia – e de arrasto o proletariado sem qualquer poder de decisão – entre a cruz e a espada. De um lado a Rússia, segundo maior produtor mundial desse combustível, utiliza a interrupção do fornecimento como barganha para quebrar as sanções impostas pelos EUA. De outro lado, os EUA, maior produtor à procura de novos mercados, têm a melhor oportunidade para superar seu maior concorrente direto e, de quebra, fragilizar a burguesia europeia.
Quem mais sofre com isso é o proletariado, cujo salário se mantém congelado enquanto dispara o preço de todos os combustíveis fósseis. Quando a diferença entre quem padece das consequências do inverno rigoroso europeu e quem sobrevive é o poder de compra, fica claro quem será, mais uma vez, a maior vítima desta disputa de mercado entre as diferentes máfias burguesas escondidas e protegidas pelos Estados nacionais.
Nem agronegócio nem Capitalismo verde
Com ou sem regulação do Estado, o Capitalismo é incapaz de abandonar a sua essência: agredir a natureza é apenas um reflexo da exploração que alguns seres humanos exercem sobre outros. Afinal, o trabalho é a principal forma pela qual nos relacionamos e transformamos a natureza. Enquanto essa for a ideologia que rege a economia da sociedade, a preservação da natureza será secundária à geração de Capital. Nesse sistema, para considerar processos de trabalho e o emprego de tecnologias que não agridam a natureza é preciso, antes de tudo, que permitam taxas de lucro razoáveis.
Entre o agronegócio, com a sua impetuosa sede por destruição da natureza virgem, e as fábricas “amigas da natureza”, que utilizam tecnologias com menor consumo de carbono e reutilizam a água: são esses os limites onde o Capitalismo pode atuar. Nada além.
“[…] a chave de novas relações entre o homem e ambiente só pode ser encontrada em novas relações entre os próprios homens. Em vez de se preocupar com a destruição da natureza, procurar desvendar o que, nas nossas relações mútuas, nos leva a agredi-la.” — Francisco Martins Rodrigues
Lutar contra o capitalismo é lutar pela vida humana na terra
Ir além do que está colocado exige novas relações sociais e de produção. Exige uma auto organização que, historicamente, somente o proletariado demonstrou ser capaz. Pensar o trabalho, pensar a sociedade, pensar a natureza coletivamente, tendo as necessidades sociais humanas e o uso das coisas como referência, e não mais o valor de troca.
Bruno e Dom foram assassinados, pois, cada qual à sua maneira, combatiam o aumento da exploração na região em que o latifúndio e o garimpo mais cresceram ao longo dos últimos anos. Para que a história deles, e de outros, como Chico Mendes (seringueiro e militante comunista assassinado em 1988) não se repita, é urgente que o proletariado se organize e se recoloque na cena pública da política.
Apenas a luta organizada contra o capitalismo nos permitirá tomar o controle de nossas vidas e ditar o rumo delas. É uma questão de sobrevivência – da nossa espécie e do planeta.♟