Fascismo: chegou a vez do Brasil?

Fascismo: chegou a vez do Brasil?

Trump eleito nos EUA, golpe de estado na Ucrânia, consolidação do Partido Frente Nacional na França, vitórias eleitorais ou governos de partidos de extrema-direita na Áustria, Suécia, Hungria, Alemanha, Itália, viradas autoritárias na Turquia e nas Filipinas, e a provável eleição de Bolsonaro no Brasil são expressões de um fenômeno mais geral e ainda incipiente — mas em crescimento — da volta do fascismo no mundo. Portanto, para organizar uma resistência proletária a essa vaga reacionária, faz-se necessário entender e definir com precisão esse fenômeno.

Das muitas definições conhecidas, a que parece melhor explicá-lo é a que concebe o fascismo como uma “revolta dentro da ordem”, um tipo de revolução na ordem estabelecida que utiliza as forças sociais, inclusive o proletariado, para radicalizar o capitalismo. Em alguns casos sem necessitar da burguesia, em outros, até mesmo contra os interesses da burguesia nacional. Porém, mais relevante que definir o fascismo é entender de onde surge tal revolta.

Quando a classe proletária está inativa politicamente, se limita a uma existência econômica e, assim, deixa de ter uma referência cultural e política própria, adotando para si referenciais das classes capitalistas. Para que a classe proletária consiga sair deste autêntico cerco burguês e gestorial, apenas construindo — desde já — outras formas institucionais/organizativas que não as dadas pelo sistema político e econômico vigente, pois é da apatia de proletárias/os que se abrem espaços para conservar o capitalismo e fortalecer suas expressões políticas mais radicais: os fascismos e as variadas formas de extrema-direita.

Uma apertada síntese histórica dos fascismos pelo mundo nos permite identificar com segurança os seguintes aspectos: a) o fascismo surge quando a maior parte do proletariado se volta contra as formas de organização que ele mesmo criou e luta pela radicalização do capitalismo contra as minorias proletárias auto-organizadas; b) também surge quando o proletariado se esquece da solidariedade de classe e deixa de auxiliar camaradas em luta ou em alguma situação de necessidade (presos, desempregados, etc.); c) o traço definidor da subjetividade do proletariado fascista é o ressentimento, pois ele não pretende substituir a sociedade capitalista e sim deseja subir na hierarquia existente, ou seja, quer expulsar os patrões para que eles mesmos se tornem patrões ou gestores; d) é preciso que haja a degeneração das organizações proletárias no sentido de serem elas a praticar ações contra a própria classe que as criou; e) nenhum fascismo triunfou quando o proletariado possui a iniciativa política. Pelo contrário, o fascismo sempre veio nos momentos de ofensiva dos capitalistas; f) a existência de instituições que adotam um discurso político de extrema-direita contribui para o fascismo. Articuladas ou não, forças armadas e boa parte das igrejas são um outro eixo fascista além de partidos de extrema-direita e sindicatos.

Devemos meditar longamente sobre a candura, ou mesmo o entusiasmo, com que a generalidade da população tem aceitado esta situação. Se os campos de concentração nazis ostentavam à entrada – porque era só de entrada que se tratava, nunca de saída – a divisa «<Arbeit macht frei», «O trabalho torna-nos livres», hoje lê-se por todo o lado um letreiro não menos cínico nem menos apavorante, «Sorria, está a ser filmado».” — João Bernardo

Atualmente, o crescimento de religiões com um discurso conservador fundamentalista (de vertente cristã, muçulmana, judaica ou outras) é também elemento contemporâneo do fascismo pelo mundo. No Brasil é comum a intolerância religiosa dos neopentecostais se traduzir em atos públicos de racismo e homofobia.

O surgimento e crescimento de milícias paramilitares e empresas particulares de proteção é também outra expressão do fascismo contemporâneo. E na prática vemos uma confusão cada vez maior sobre os limites entre polícias estatais, milícias (em geral policiais fora do horário de expediente) e forças privadas de segurança quando se propõem a combater a criminalidade de rua. Certamente atuarão em conjunto quando chamados a reprimir o proletariado. É também preocupante a atuação colaborativa cada vez maior dos sindicatos com a gestão capitalista do trabalho.

A fascistização de certos setores da sociedade civil, em curso no Brasil, manifesta sua vitalidade em movimentos que são, inclusive, anteriores à ascensão explícita de Jair Bolsonaro, como MBL e Escola sem Partido. Agora, vemos ações recentes que violentam, gravam suásticas na pele e matam opositores à candidatura do ex-militar. Essas dinâmicas não podem ser menosprezadas uma vez que tais simpatizantes, agora respaldados por um candidato à presidência com notável visibilidade e aceitação, veem-se com direito de fala e ação que nunca tiveram desde a redemocratização em 1985. Diante disso, Bolsonaro afirma o óbvio: não é possível controlar “milhões e milhões” de pessoas que o apoiam e que cometem excessos (se referindo ao assassinato do capoeirista Romualdo da Costa). Diante da selvageria dessas ações descentralizadas, feitas por pequenos grupos de indivíduos que se identificam com as posições de Bolsonaro, sentimos ressurgir velhos fantasmas dos anos 1960 como o Comando de Caça aos Comunistas.

Mesmo assim, Jair Bolsonaro ainda é uma face tacanha da extrema direita, representando a figura típica do senso comum ignorante que nos serve de alerta para um fenômeno com tendências ainda piores e que segue ganhando adeptos. Tal fenômeno, em diferentes linhas e proporções, se expressa em outros países do mundo, com candidatos que, inclusive, modificam seu discurso adotando um viés “moderado”, mas que guardam suas proposições brutais que constantemente se refinam e especializam, tal como fez Marine Le Pen na França quando rompeu com seu pai notadamente ultraliberal, antissemita e racista, como parte da sua estratégia de comunicação.

Logo, é importante reconhecer que o Brasil está inserido nesta dinâmica internacional recente que tem como ícones a eleição de Donald Trump, que está implementando as propostas xenófobas e isolacionistas que o elegeram, bem como o crescimento da extrema direita na Europa.

Enquanto isso, a esquerda se fragmenta em um setor amedrontado que, sem autocrítica, se apoia no lulismo (governo que caiu devido às suas fraquezas e equívocos e é o principal responsável pela perda de identidade do proletariado) e outro campo que se pulveriza em pautas monotemáticas que não se relacionam, fazendo com que energia e tempo sejam despendidos em postagens nas redes sociais, manifestações, vídeos, etc., que se concentram no teor homofóbico, racista e machista de Jair Bolsonaro, mas que não levam em conta que seus eleitores, dentro do senso comum, compactuam com o mesmo discurso. Não tocam no calcanhar de Aquiles do candidato do PSL: as suas propostas de governo que penalizam o proletariado como um todo e em especial o proletariado de baixa renda, com a manutenção da reforma trabalhista, a iminente reforma liberal da previdência e o aprofundamento da precarização da educação estatal e do SUS.

“[Em 1920] Alemanha inventa o antifascismo, política que consiste em defender unicamente a democracia capitalista (com armas se preciso for) contra a ditadura capitalista, e em reprimir as tendências subversivas que vão além da democracia, como se uma engendrasse a outra. Como se entre as duas existisse uma “escolha” que dependesse dos proletários .” — Jean Barrot e Denis Authier

Outro ponto central que demonstra a deficiência da esquerda tradicional em combater o fascismo é o reformismo das suas organizações. Centrais sindicais como CUT e movimentos como MST, que possuem força numérica e capacidade de organização, não jogam peso numa mobilização permanente para enfrentar os avanços da extrema-direita. Apostam tudo na candidatura Haddad. E fica cada vez mais evidente que a vitória do PT nas urnas não deterá o crescimento do fascismo. Esta tarefa cabe ao proletariado organizado em suas instituições. Mais do que apostar na fraqueza das vias eleitorais, a esquerda do capital é responsável pela regeneração do fascismo.

Quando o fascismo chega ao poder de Estado, as instituições e a lei se voltam contra o proletariado de forma mais explícita e brutal. Entretanto, a chave da superação da democracia e do fascismo está nos próprios proletários com consciência anticapitalista. Estes devem se manter unidos, solidários e mobilizados para resistir às agressões dos grupos fascistas legalizados ou não. A História mostra que foi possível vencer batalhas em contextos bem mais adversos, basta que se inicie um processo de autonomia frente às instituições tanto dos capitalistas (burgueses e gestores) quanto da esquerda tradicional, criando assim organizações próprias do proletariado com um real caráter combativo.♟