Fora Temer?

Fora Temer?

Após a consolidação do impeachment da ex-presidente Dilma, diversos setores da sociedade brasileira hoje gritam ‘Fora Temer’. A origem social dessa reivindicação é bastante heterogênea, contando com intelectuais e gestores culturais (Fora do Eixo, artistas, professores universitários); entidades representativas (centrais estudantis e centrais sindicais); movimentos sociais (MST, MTST) e ainda os próprios gestores do PT que perderam seus postos no aparelho de Estado. Além da unidade em torno do ‘Fora Temer’, resta apenas a pauta corporativa de cada um desses segmentos: financiamento à produção cultural e projetos acadêmicos; financiamento pesado para entidades como UNE, UBES e CUT; financiamento para as milhares de pequenas propriedades do MST e, finalmente, a gestão do capital brasileiro pelos quadros históricos do PT.

Diante do perfil dessas organizações, todas dentro dos padrões que o capital espera e exige, a forma de mobilização utilizada para esboçar o movimento é reflexo desse perfil: intervenções individualizadas; decisões tomadas por cúpulas isoladas; atos e paralisações totalmente midiáticos com datas marcadas para começar e terminar e sem nunca paralisar a produção; pauta difusa e confusa; além de uma indisfarçável atmosfera de revanchismo e ressentimento no ar. Esse conjunto evidencia que o movimento, dessa forma organizado, não busca se confrontar com o capital, mas sim retomar a sua administração e dela voltar a se beneficiar. É dessa forma que PT e PCdoB continuam sendo grandes desorganizadores dos movimentos sociais no país. Atuam dentro ou perto deles, se apresentam como parte orgânica dos mesmos, quando na prática concreta os utilizam para seus fins particulares e antagônicos a eles.

O ‘Fora Temer’ se mostra assim incapaz de derrubar o “novo” governo e sem força para impedir o avanço de seus ataques crescentes ao proletariado (BB #9), justamente porque este não é e nunca foi o seu objetivo. Na verdade trata-se de um movimento puramente democrático e antissocialista que tenta enquadrar os manifestantes se valendo da delação aberta de seus integrantes para a polícia durante os próprios atos. Aliás, é consenso entre a Central de Movimentos Populares e as Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo (BB #7) que quem radicaliza – por não estar submetido ao controle burocrático das suas organizações – não deve participar dos espetáculos ‘Fora Temer’.

Além de gritar ‘Fora Temer’ essa burocracia de esquerda também grita contra a reforma da previdência, o ajuste fiscal – em que o SUS é um dos maiores alvos, a reforma trabalhista, as privatizações, a reforma do ensino médio e a privatização dos campos do pré-sal, como se apenas agora tivessem se tornado um problema para o país, “esquecendo” que todas essas medidas já estavam previstas no próprio governo Dilma-Temer. Ou seja, o ‘Fora Temer’ significa: aceitaremos ser massacrados pelo governo e pelos capitalistas, desde que Dilma e o PT/PCdoB participem ativamente do ataque.

Assim como a repressão de Robespierre contra os enragés (radicais) na Revolução Francesa abriu caminho a Napoleão Bonaparte, a repressão de Lenin e Trotski a Makhno e a Kronstad, bem como o atrelamento dos sindicatos ao Estado e o controle das fábricas por administradores nomeados pelo mesmo, abriram caminho à ditadura bonapartista de Stalin.” — Maurício Tragtenberg

Logo no início do ano, ajustes fiscais promovidos sob o governo Dilma atingiram retrações de 87% em alguns setores. A Pátria Educadora também não poupou, mais uma vez, o setor da educação: além de reduzir recursos para a construção de novas escolas e para o Pronatec, programas de apelo social como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) diminuíram ostensivamente.

Quanto à reforma do ensino médio – com retração de matérias e grade optativa – Dilma já a propunha em sua campanha eleitoral de 2014, afirmando que “não tem nada contra Filosofia e Sociologia, mas que um currículo com 12 matérias não atrai um jovem”. Logo, deveria haver uma reforma nos currículos que retirasse assim não apenas essas recentes conquistas como também Artes e Educação Física. Agora, o presidente Temer concordou e decidiu colocar em prática. Mudam os nomes mas o programa continua o mesmo.

A chamada “extrema esquerda” (da esquerda tradicional) não se sai muito melhor na oposição a esta realidade. Se afastaram do projeto “democrático-popular” do PT/PCdoB ao longo dos últimos anos mas enxergaram nas mobilizações do ‘Fora Temer’ uma oportunidade (oportunismo?) para aumentar sua influência sobre as massas – em especial sobre a vanguarda lutadora – e começam a compor e disputar esse movimento. Aqui se incluem: PCB, PCO, MTR/PSOL, o famigerado racha do PSTU, “É preciso arrancar alegria do futuro” e até mesmo coletivos autonomistas.

Uma comissão que não seja a expressão da luta auto-organizada e auto dirigida pelos operários nada tem de autônoma. Muito menos aquelas criadas pelo patronato, ou ainda as fomentadas de fora por militantes que pretendem utilizá-las como células de seus partidos.” — Lúcia Bruno

Rapidamente essas organizações começam a perceber sua fragilidade para impedir que PT, PCdoB e suas organizações sociais direcionem o movimento para seus interesses sob os bordões ‘Fora Temer’ e ‘Diretas já’. Esse último, uma clara referência ao movimento democrático-popular dos anos 80, sem qualquer caráter proletário, reforçando a categoria de ‘povo’ utilizada pelo PT. Povo, já sabemos, são todos os setores da sociedade: proletários, burgueses, gestores, grandes e pequenos proprietários.

Ou seja, se somar a movimentos com a burocracia do PT/PCdoB, sem garantir a plena independência política e crítica profunda permanente, é uma prática política que só contribuirá com a rearticulação dos gestores do PT e os ajudará a conquistar capital político para 2018. Devemos então nos somar às paralisações nacionais que estão ocorrendo e tentar construir um movimento proletário, contra a repressão (a lei “antiterrorismo” é do governo Dilma), os ataques à CLT, ao SUS, e à educação pública. Sem capitular às políticas do PT e aliados, que em nenhum momento de seus 14 anos de governo lutaram pelas pautas do proletariado, pelo contrário, contribuíram ainda mais para a sua precarização. Esta é a única posição capaz de recolocar o proletariado como protagonista de sua própria luta.

Não basta nos diferenciarmos quanto às pautas e palavras de ordem. Devemos ser contra a prática de isolar as bases mais radicais do movimento com justificativas pacifistas-democratas, enquanto Estado, burguesia e gestores utilizam todas as formas de violência contra a classe proletária. Devemos ser contra qualquer política que objetive uma solução parlamentar. ‘Fora Temer!’ e ‘Diretas Já!’ apenas trocam o gestor político que colocará em prática os ataques contra nós mesmos.

Que os governos PT/PCdoB nos sirvam de exemplo negativo que uma estratégia estatista não serve ao proletariado. Nossas manifestações não devem ser organizadas por dentro dos aparatos burocráticos do Estado, partidos e sindicatos. As mobilizações devem ser organizadas pelas bases a partir dos locais de trabalho, estudo e moradia. Devemos nos opor decididamente às velhas manifestações sindicais, corporativas e burocráticas, que apenas retardam um possível movimento proletário.