Não demorou muito para que a pauta do impeachment voltasse com força na mídia, talvez de maneira muito mais estratégica do que anteriormente. Dessa vez, o apetite insaciável da direita tradicional por lucros e poder visa inviabilizar a última cartada da esquerda governamental para se perpetuar no governo federal: a candidatura Lula.
Em que pese o abuso autoritário do episódio da condução coercitiva do ex-operário presidente – algo mais voltado para ser um espetáculo midiático do que um procedimento judicial necessário – do ponto de vista do proletariado o mais importante não é comprovar se foram praticadas ou não condutas tais como: ocultação de patrimônio, comércio de medidas provisórias e tráfico de influência para beneficiar capitalistas. O revelador em tudo isso é saber quais classes as relações do PT e seus satélites (PCdoB e PDT) comprovam expressar. Que nem sequer passa pela cabeça da esquerda governamental romper com o “presidencialismo de coalizão” que a mantem refém de um partido como o PMDB. Romper com banqueiros, empreiteiros e latifundiários? Menos ainda. Isto já é suficiente para qualquer proletário com alguma consciência de classe perceber que se trata de uma disputa no interior de um campo que lhe é hostil por inteiro. Por mais dividido que se apresente.
Nesse momento, as diferentes camadas e setores que integram o campo dos exploradores e opressores travam uma luta acirrada que envolve o presente (Governo Dilma) e o futuro (eleições 2018 ou antes em caso de eleições antecipadas).
A direita tradicional evoluiu de uma linha de conduta que buscava manter o governo Dilma fragilizado e sob pressão, melhor maneira para conseguir arrancar dele mais concessões, para uma linha de ação que, sem abdicar do impeachment, se amplia para inviabilizar a continuidade do projeto de poder da esquerda do capital.
A esquerda governamental tenta desenvolver uma linha em duas frentes. Se manter o governo até 2018 e poder ter chances de entrar na disputa eleitoral com alguma possibilidade de sucesso. Para esse segundo objetivo já articula a criação de alternativa para manter os proletários presos a essa falsa polaridade entre duas opções das classes dominantes. Sem opções autênticas à sua esquerda. Em outro boletim abordaremos sobre outro tipo de falsas opções: a da esquerda eleitoral que não integra o governo Dilma. É aqui, na visualização dos passos presentes da esquerda governamental naquilo que preparam suas ações futuras que temos de nos deter. Em especial no grande engano que já está em curso: A Frente do Povo sem Medo (FPSM).
“Em qualquer luta importa mais a forma de organização dos participantes do que o conteúdo ideológico inicial. A tomada de consciência faz-se através da possibilidade que cada pessoa tiver de colaborar na condução prática da luta, sem se limitar a ouvir doutrinas ensinadas por outros.” — João Bernardo
Enquanto silenciam diante de crimes como o assassinato de trabalhadores em greve por capangas contratados pelas empreiteiras na construção do COMPERJ em Itaboraí – RJ; patrocinam a construção de Belo Monte que – além de não beneficiar a população local e nem aos trabalhadores brasileiros, mas apenas as mineradoras instaladas no norte do país – foi considerada pela ONU um genocídio às populações da região; se esforçam para propor ao Congresso Nacional uma reforma da previdência para fazer o proletariado morrer sem se aposentar e, mesmo os que sobreviverem, com valor cada vez mais baixo; adotam – em nome do “ajuste fiscal” – medidas do arrocho que cortaram benefícios sociais da população; apoiaram a criação da Lei Antiterrorista, sancionada pela presidente Dilma, que permite a prisão pelas forças de repressão por mera presunção de alguém que ameace a ordem sem ter ainda cometido qualquer crime.
Ao mesmo tempo CUT, UNE, MST, PT e o Governo Federal não apenas levantam o fantasma do “golpe” (para fazer o que eles mesmos desejam fazer) como, principalmente, tentam fazer ressurgir uma Frente Popular aos moldes daquela de 1989 quando ainda conseguiam arrebanhar muitos trabalhadores iludidos e bem intencionados para o seu projeto democrático (leia-se: anticomunista) e popular (leia-se: policlassista, logo antiproletário).
Em outubro de 2015 vários movimentos sociais se reuniram e lançaram uma frente ampla ‘Frente do Povo Sem Medo’ com a intenção de fazer um contraponto ao crescimento das forças oposicionistas e defender a democracia assim como aprofundá-la. Se faz necessário esclarecer quem compõem essa frente. Muitos dos movimentos que ali estão são ligados organicamente ao PT, PCdoB, PSOL, setores da igreja católica e movimentos sociais há muito tempo vendidos ao governo. Quem verdadeiramente comanda essa frente são as forças que, como demonstrado acima, tratam os trabalhadores de mesma forma como a direta tradicional o faz. Ou seja, apoiar esse tipo de iniciativa é para o proletariado cair em uma antiga armadilha.
“Por todo o mundo a esquerda governamental perdeu a identidade e nada de significativo a diferencia da direita. Abandonou quaisquer transformações econômicas se restringindo nesse campo aos paliativos, a esquerda governamental concentrou-se nas questões de costumes, mas mesmo aí deixa a desejar.” — João Bernardo
Mais do que isso, todas as reivindicações do programa da FPSM foram cuidadosamente elaboradas para caber no orçamento do governo federal, conservando as prioridades capitalistas de seu direcionamento. Não se altera o pagamento da dívida pública, se menciona genericamente e com palavras vagas a necessidade de “reformas populares” e se concentra timidamente no âmbito dos costumes (defesa da tolerância e das liberdades contra o racismo, a intolerância religiosa, o machismo, a LGBTfobia) e de medidas superestruturais (“radicalização da nossa democracia”). No âmbito estrutural-econômico tudo se resume a uma oposição abstrata “contra as políticas de austeridade aplicadas pelo governo, em nome de ajustar as contas públicas” e a tirar do papel a “taxação de grandes fortunas, lucros e dividendos” previsto desde 1988 na Constituição e nunca regulamentado. Além disso, propõem “auditoria da dívida e suspensão dos compromissos com os banqueiros” como se fosse apenas um problema de verificação de sua legitimidade, deixando a porta aberta para continuar pagando a dívida e mantendo os compromissos com o setor financeiro.
A opção da FPSM está claramente colocada em seu manifesto de fundação: aprofundar a democracia para manter a exploração do trabalho. Isto significa que para eles bastaria uma reforma política institucional, pois o problema não é a própria democracia capitalista.
Portanto, precisamos estar atentos contra mais esta tentativa de levar os trabalhadores a agir contra os seus próprios interesses em nome do “combate à direita”. Não são os rótulos que devem nos orientar, mas a auto-organização para a conquista de reivindicações que se materializem em reais benefícios para a vida de quem vive do próprio trabalho.