Jornadas de junho de 2013 — 10 anos depois

Jornadas de junho de 2013 — 10 anos depois

No último mês de junho completou-se dez anos das manifestações de rua que tomaram o país e ficaram conhecidas como as jornadas de 2013. Muitas análises foram realizadas pela mídia corporativa e por setores progressistas da socialdemocracia, mas é preciso também uma análise a partir das transformações na subjetividade do proletariado nesse período e suas consequências políticas.

Dez anos atrás

Em 2013 o PT completava uma década no poder e estava se revelando um enorme descompasso entre como esse partido da esquerda do capital enxergava a realidade que havia gestado e como o proletariado vinha reagindo a ela. De um lado a propaganda governamental era de uma economia estável, milhões haviam sido retirados de condições miseráveis, outros tantos milhões haviam ingressado nas cadeiras do ensino superior e como pano de fundo o país finalizava a construção de um conjunto de obras bilionárias para sediar a Copa do Mundo de futebol masculino no ano seguinte.

De outro lado, a realidade desmentia esse milagre na vida dos proletários. Após tantos anos assistindo às direções do PT e dos sindicatos realizarem concessões sucessivas para continuarem no poder e propagandearem a criação de empregos que em sua quase totalidade ofereciam remuneração de no máximo 1,5 salário mínimo. Era como se a classe houvesse percebido um esgotamento em um modelo que, substancialmente, se revelou mais do mesmo e ainda lhe cobrava gratidão. Aquele ano testemunhou o maior número de greves (2.050) desde o fim da ditadura civil-militar, sendo mais da metade delas no setor privado e boa parte de forma autônoma aos sindicatos. Depois de tanto tempo escutando que não havia dinheiro suficiente para reajustes salariais nem verbas para políticas públicas, escolas e hospitais, mas que se estava fazendo o possível, via-se orçamentos bilionários construindo estádios de futebol superfaturados. Algo pairava no ar, um desencanto, uma vontade de ir além mesmo sem saber pra onde nem como.

As primeiras idas às ruas para protestar contra os aumentos no transporte público em várias capitais foram o estopim. Nenhum setor do espectro político havia previsto o que veio em seguida, mas alguns souberam canalizar melhor a seu favor do que outros.

O fato de uma luta contra uma questão pontual da vida material ter tomado proporções de luta nacional por redução da tarifa do transporte e ter popularizado a ideia de gratuidade desse serviço a ponto de a prefeitura de São Paulo revogar o aumento que havia decretado já foi uma vitória maiúscula para os movimentos sociais autônomos. Do ponto de vista da esquerda comunista, que respeita as lutas espontâneas e os níveis de consciência de cada luta, ali poderia ter se encerrado naturalmente a mobilização nas ruas, avaliando-se as lições aprendidas e organizando de forma autônoma aqueles com disposição para seguir lutando por um mundo melhor.

Pela visão dos capitalistas, algo precisava ser feito diante daquela derrota que haviam acabado de sofrer, era possível e necessário canalizar aquele movimento em seu favor, agindo na subjetividade do proletariado. Para os setores mais conservadores do capital, só se havia permitido que o PT ocupasse o poder por tanto tempo porque historicamente ele havia sido capaz de aparelhar movimentos sociais, estudantis e sindicais em seu favor, como ferramenta de oposição política a quem lhe fosse conveniente. Tanto Lula quanto Dilma eram hóspedes indesejados no Palácio Alvorada e agora haviam perdido qualquer influência sobre o que acontecia nas ruas; haviam, portanto perdido qualquer utilidade aos capitalistas. Viu-se a oportunidade de transformar uma incipiente descrença no Estado burguês em uma rejeição odiosa ao partido político que o geria naquele momento.

Com a articulação da mídia corporativa, que no início se opôs ao movimento, correntes políticas reacionárias começaram a enxertar suas pautas nos cartazes e pintar as manifestações de verde e amarelo. Muito rapidamente aqueles movimentos massivos começaram a ser retratados, e ao mesmo tempo a se enxergar, como uma luta nacionalista contra a corrupção e contra os partidos políticos. Agora não se tratava mais daqueles usuários de transporte coletivo tentando frear mais uma ofensiva do capital e sim de “cidadãos de bem” dizendo lutar por um Brasil melhor. No lugar do MPL (movimento passe livre) surgia o MBL (movimento Brasil livre), as bandeiras de partidos políticos da esquerda do capital foram banidas à força e substituídas pela bandeira nacional. Um exemplo e tanto de recuperação das lutas por parte do capital.

“A história do movimento operário tem sido feita de inspirações emancipadores que, mal começaram ser realizadas, depararam com os obstáculos erguidos à generalização a luta, definharam e degeneraram, para serem reconvertidas pelo capitalismo em novos quadros de opressão e da valorização do capital.” — João Bernardo

Dez anos depois

O PT, incapaz de reconhecer os próprios erros, até hoje não parece ter entendido tudo aquilo. Não vê que o senso comum da maioria dos brasileiros é conservador e quando em movimento se torna facilmente reacionário. Coloca a culpa exclusivamente em interferências do imperialismo estadunidense que estaria descontente com um esboço de imperialismo brasileiro e no ressentimento das camadas médias diante de suas políticas populistas. Não se vê como o principal artífice da desarticulação da consciência de classe e como a força política que preparou o terreno para que a extrema-direita pudesse semear. Acha que o bolsonarismo foi apenas um delírio coletivo passageiro e ignora o fato de que as maiores manifestações de rua têm ocorrido em torno de pautas retrógradas e em prol de uma nova ditadura militar.

Hoje o PT está novamente na presidência, com Fernando Haddad Ministro da Fazenda e Geraldo Alckmin Vice-Presidente e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Em 2013 o primeiro era prefeito de São Paulo e o segundo governador daquele estado, eram opositores no jogo político mas já unidos na repressão brutal às manifestações que tiveram seu epicentro naquela capital. Cumprem, sob o comando de Lula, um grande serviço aos capitalistas: recuperar a fé dos trabalhadores nas instituições burguesas depois das instabilidades geradas pelo bolsonarismo. E têm conseguido! Pesquisa do Instituto IPEC realizada neste mês de julho revela que a confiança da população nas instituições políticas nunca esteve tão alta desde que começaram as medições em 2009. Pode-se dizer que se encerra mais um ciclo vitorioso para os capitalistas brasileiros.

“Triunfa a classe que atinge um grau superior de coerência interna , apesar dos interesses contraditórios que s dividem e da concorrência em que se defrontam, os capitalistas têm-se revelado cada vez mais estreitamente unidos pela concentração económica, desenvolvida hoje no plano transnacional.” — João Bernardo

Os próximos dez anos

A esquerda comprometida com a superação do capital precisa olhar para 2013 como uma chance histórica desperdiçada. Entender que articulações de massa que se limitam a negar o capital podem ter consequências desastrosas a médio prazo. Precisamos aprender a apresentar cenários possíveis ao proletariado nos momentos de ebulição, resgatando experiências históricas da classe que já puseram os capitalistas em xeque. Novos momentos de insatisfação profunda com as instituições do capital irão se apresentar, ainda mais com a socialdemocracia no poder. Seremos capazes de construir instituições intermediárias para uma sociedade autogerida? Ou novamente nos limitaremos a assistir todo um potencial de transformação se voltar contra nós, ora nas mãos da extrema-direita, ora nas da esquerda do capital? A transformação do mundo é tarefa imediata e exige preparação permanente, ao trabalho!♟