Em março deste ano uma pauta que ganhou destaque no cenário político nacional foi o movimento pela revogação da Lei nº13.415/2017 que instituiu o Novo Ensino Médio, cujo primeiro ano de implantação foi 2022, mas que desde 2016, quando surgiu como Medida Provisória, já gerou protestos. Como resposta, no começo de abril o atual Ministro da Educação suspendeu por 60 dias a implementação do cronograma. Os críticos sustentam que o NEM precariza tanto a qualidade do ensino quanto o trabalho dos professores. Mais do que entender os efeitos práticos de tal reforma do capital, também é preciso visualizar formas de mudar esse cenário para além de sua simples negação e dos discursos meramente progressistas sobre a educação.
Das origens às consequências práticas
É muito cômodo ao PT afirmar que o projeto do Novo Ensino Médio é fruto do impeachment sofrido por Dilma, já que surgiu de uma Medida Provisória de setembro de 2016 editada por Michel Temer e, portanto, nada tem a ver com seu conteúdo nem com as forças políticas que o gestaram. Primeiramente, é preciso lembrar que Temer foi eleito vice-presidente em 2010 e 2014 por uma escolha do PT, assim como Alckmin em 2022, de modo que a gestão Temer é um fruto direto da política petista de conciliação de classes e de governos de coalizão que atualmente não só se repete como se aprofunda.
Para além dessa constatação inicial, é preciso ter em mente que as reformas do capital não são gestadas apenas nos gabinetes de políticos, mas muito antes, por setores da burguesia, sob diversas denominações e formas jurídicas. Assim como a Reforma Trabalhista de 2017 (BB#17 e #18) foi resultado de um manifesto elaborado pela Confederação Nacional das Indústrias, o Novo Ensino Médio é fruto de várias vozes capitalistas engajadas nesse setor. A principal delas é a ONG Todos Pela Educação, que teve a sua criação, em 2006, encabeçada pelo grupo Itaú-Unibanco, e dentre seus sócios fundadores está o então Ministro da Educação e atual Ministro do Planejamento Fernando Haddad. Não à toa o plano de gestão Haddad para a educação se chamava “Compromisso Todos Pela Educação”. Mais recentemente, essa ONG foi o pilar mais importante do Ministério da Educação do governo Bolsonaro, coordenando a implantação do ensino à distância durante a pandemia. Isso é apenas mais um exemplo do que este Boletim vem afirmando há mais de sete anos: o PT e seus adversários políticos são faces de uma mesma moeda e estão a serviço unicamente das classes capitalistas, as eventuais diferenças só dizem respeito ao modo de agir.
As principais mudanças trazidas pela reforma do ensino médio dizem respeito ao aparente aumento da carga horária e aos “itinerários formativos”, que levam à flexibilização do conteúdo com a consequente redução na qualidade do ensino ofertado nas redes estatais de educação. Se antes havia 2.400 horas de conteúdo obrigatório, agora há apenas 1.800, e outras 1.200 de conteúdo flexível, cuja criação fica a cargo de cada escola. Além disso, o aumento da carga horária impacta diretamente no orçamento já limitado das escolas estatais. Sobre esses conteúdos flexíveis houve relatos de escolas oferecendo cursos de como fazer brigadeiro caseiro, por exemplo, em uma clara naturalização do trabalho precarizado revestido por um discurso de empreendedorismo. Uma outra consequência é que dos profissionais que irão ministrar esse conteúdo flexível não se exige o mesmo nível de formação do magistério tradicional, assim como tendem a ser contratados em condições também precarizadas.
Com a redução dos conteúdos obrigatórios, fica a cargo de cada estudante escolher em qual “itinerário” deseja se “aprofundar”: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e sociais ou formação técnica e profissional, sendo que até então todos esses conhecimentos eram ofertados. Muitos desses conteúdos também passaram a ser ministrados via ensino à distância, de forma terceirizada, um grande negócio para esses setores da burguesia. Entre várias outras implicações práticas, é fácil perceber que o abismo entre a formação dos estudantes de escolas estatais e os de escolas privadas ficará ainda maior em um curto prazo. As desigualdades também crescerão a depender dos orçamentos de cada Estado e Município.
“Portanto, quanto menor for o tempo de formação exigido por um trabalho, menor será o custo de produção do operário e mais baixo será o preço de seu trabalho, de seu salário.” — Karl Marx
A faceta crítica do capital e a radicalidade proletária.
O atual Ministro da Educação, Camilo Santana, afirma que o principal vício do Novo Ensino Médio foi não ter sido fruto de um diálogo democrático e suspendeu sua implementação provisoriamente para que esse diálogo ocorra. A revogação já foi descartada em um primeiro momento pelo Ministro, que afirmou que isso geraria prejuízos muito grandes, e sinalizou uma reforma dentro da reforma, numa tentativa de consertar alguns pontos.
Em face disso, várias organizações estudantis e de professores controladas pela socialdemocracia sustentam a revogação completa da reforma, e que se retorne temporariamente a aplicar as diretrizes elaboradas pelo MEC em 2012. Tais setores progressistas do capital sustentam que a educação deve promover a cidadania por meio de uma formação crítica e que seja capaz de reduzir desigualdades.
Mais uma vez percebe-se um embate entre setores capitalistas brasileiros. De um lado o mercado financeiro patrocinando reformas que visam adaptar o conjunto da força de trabalho de um país em processo de desindustrialização e de informalização crescente das relações de exploração e, de outro, setores que advogam projetos de desenvolvimento nacional industrializado, com maior qualidade de vida para a maioria da população à custa de um Brasil imperialista no plano internacional.
Diante desse cenário, os setores estudantis e do proletariado com consciência comunista devem se engajar na revogação desse modelo educacional que precariza as relações de trabalho de ponta a ponta, tanto cerceando ainda mais o acesso ao conhecimento dos proletários em formação, quando degradando as condições de trabalho dos proletários da educação. Porém, sem nutrir qualquer ilusão acerca do papel da educação capitalista, que se destina a disciplinar corpos e mentes para formar proletários dóceis e produtivos e ao mesmo tempo formar gestores criativos e proativos capazes de solucionar as crises atuais e futuras do capital. Achar que instituições capitalistas podem se tornar armas do proletariado contra a burguesia já se provou um equívoco histórico de nossa classe.
“Assim, os professores perderam o controle não só sobre a matéria que lecionam, mas acima de tudo, sobre o seu próprio tempo de trabalho, e as provas destinam-se tanto a avaliar os conhecimentos dos alunos como o desempenho dos mestres.” — João Bernardo
Assim, o enfrentamento às instituições capitalistas sob um ponto de vista radical passa também pela criação de novas instâncias de luta, autônomas. Sempre que a esquerda do capital se propõe a travar uma luta reivindicatória, ela lança mão das instituições que o estado capitalista lhe oferece. No campo da educação não é diferente. Esse movimento pela revogação do novo ensino médio já está sendo encampado pela União Nacional do Estudantes e pelo conjunto das burocracias sindicais ligadas aos trabalhadores da educação. É a socialdemocracia em ação, ao mesmo tempo em que controla eventuais manifestações autônomas dos estudantes e professores, enquadrando-as no o campo da legalidade burguesa, olha com atenção para o surgimento de eventuais lideranças que poderão se transformar em quadros de seus partidos, dando ares de renovação para suas engrenagens burocráticas. Foi assim no começo dos anos 1990 com os caras-pintadas e também em 2016 com as escolas ocupadas.
Em lutas dessa natureza, a esquerda comunista precisa de organizações autônomas capazes de enfrentar os ataques de todos os setores do capital, à direita e à esquerda, que tentarão pulverizá-las, e principalmente integrar estudantes e proletários, garantindo que o estudante em luta não se desconecte das pautas anticapitalistas ao sair dos bancos escolares para apenas se tornar um proletário atomizado. Afinal, não existe luta anticapitalista exclusiva de estudantes e, professores lutando também estão ensinando. ♟