O crescimento constante da extrema-direita e como combatê-lo

O crescimento constante da extrema-direita e como combatê-lo

No ano de 2016, quando Donald Trump iniciou seu primeiro mandato presidencial, boa parte da mídia corporativa parecia atordoada com o que havia acontecido naquelas eleições estadunidenses, isso porque até então candidatos com discurso de extrema-direita só haviam sido eleitos chefes de governo em países de baixa relevância na economia mundial, a exemplo de Viktor Orbán na Hungria, Andrzej Duda na Polônia e Rodrigo Duterte nas Filipinas.

De lá pra cá, os partidos com tal ideal de inspiração fascista vêm intensificando sua jornada rumo ao centros de poder de grandes economias do ocidente, com Giorgia Meloni na Itália, além do crescimento dos partidos AFD (Alternativa para a Alemanha), Frente Nacional (França), Vox (Espanha) e Chega (Portugal). Para os que pensavam se tratar de uma onda política passageira, que logo iria desiludir o eleitorado, a reeleição de Trump parece demonstrar uma mudança consolidada no espectro partidário burguês em nível transnacional.

Mas por que tais candidatos continuam fortes mesmo após gestões que pioraram de forma impactante as condições de vida do proletariado? Por que os capitalistas de vários países toleram essas figuras políticas que geram tanta instabilidade institucional, a exemplo da invasão do Capitólio em 2021 e da tentativa de golpe em Brasília em 2023? Qual a tarefa dos comunistas diante desse cenário de crescente retrocesso?

A socialdemocracia desarticula e a extrema-direita engaja

Como já expusemos em várias edições do Boletim, após as últimas grandes ondas de luta autônoma proletária na década de 1970, as organizações da esquerda do capital cumpriram seu papel histórico de inimigos internos de nossa classe e trataram de enquadrar as lutas sociais progressistas no campo da legalidade burguesa, nas instituições da conservação do capital. A desilusão com as promessas não cumpridas e a pulverização dos indivíduos proletários antes organizados gerou um ressentimento em relação a esse campo da política burguesa.

Sem conseguir melhorar substancialmente a qualidade de vida ou o número de direitos dos trabalhadores, a socialdemocracia se legitimou no poder de Estado defendendo bandeiras policlassistas, voltadas a setores da população com pouca representação político-partidária ostensiva, como mulheres, negros, homossexuais e imigrantes, propondo a reparação gradativa de desigualdades históricas e construindo novas identidades de forma ideológica com base em critérios biológicos, culturais e morais àqueles explorados que um dia possuíram identidade de classe. Para essa esquerda, o fato de um membro dessas “minorias” ocupar um posto de comando na engrenagem capitalista deveria ser motivo de orgulho para seus semelhantes do proletariado. Assim, a representatividade democrática burguesa seria o máximo com que um oprimido pode sonhar.

A extrema-direita utiliza o mesmo mecanismo, só que de maneira reversa, vitimizando a parcela da população considerada maioria, que não teria sido “privilegiada” pelas recentes conquistas democráticas, aquela que não tem direito a cotas de nenhuma espécie nas migalhas que os capitalistas concedem aos explorados. Isso acaba dando identidade a uma massa amorfa e apática de proletários ressentidos, que há muito tempo não exercem poder de decisão sobre a materialidade de suas vidas. Diante da constatação de piora nas condições de vida, o que nos dias de luta do passado se traduziu em ódio de classe contra os patrões agora é inflamado em parcela expressiva do proletariado como discursos de ódio e preconceito dentro da própria classe, politizando de forma reacionária as relações pessoais e personalizando as relações político-econômicas.

Esses ressentimentos têm sido catalisados por redes digitais que organizam simpatizantes para ações diretas violentas de cunho nacionalista, racista, misógino e autoritário, legítima expressão do fascismo como revolta dentro da ordem. Atualmente, parcela expressiva do proletariado está engajada politicamente na defesa do que há de pior no capitalismo, e mesmo após mandatos presidenciais que intensificam sua exploração, a exemplo de Bolsonaro e Trump, esses trabalhadores seguem defendendo de forma intransigente tais figuras políticas por uma questão de identificação pessoal, por se sentirem representados nessa batalha de identidades para qual a socialdemocracia tanto contribuiu, e a isso se resumem suas atuações políticas.

A preocupação com as identidades colectivas é especialmente perversa porque funciona em dois sentidos, tanto enquanto defesa contra opressões como enquanto legitimação de xenofobias, e tem contribuído poderosamente para, a partir da esquerda, criar um terreno ideológico comum com a extrema-direita” — João Bernardo

A utilidade ao capital

Logo após a 2ª Guerra Mundial os EUA se firmaram como potência hegemônica global em termos econômicos e militares. Mesmo a partir dos anos 1970, grandes economias de mercado como Japão e Alemanha não tinham poderio militar para resistir às suas investidas, ao passo que grandes países com arsenal nuclear como a URSS e a China não faziam frente aos interesses mercadológicos do imperialismo ianque.

Após a crise financeira de 2008 esse cenário vem mudando de forma acelerada. Essa hegemonia é ameaçada pela economia e poderio bélico crescentes da China, além do crescente protagonismo da Rússia no leste europeu, com sua capacidade militar e suficiência econômica comprovada após a ineficácia de embargos impostos pelos EUA face à invasão da Ucrânia. Em paralelo, grandes economias da Europa vêm incrementando seus investimentos militares tentando diminuir a dependência em relação aos EUA no contexto da OTAN.

O capitalismo global caminha para uma transição de hegemonia, com disputas entre vários polos imperialistas e, como asseveramos no BB 105, tal processo não ocorrerá somente por vias diplomáticas. Dessa forma, a possibilidade de conflitos armados em escala internacional gera uma demanda crescente por proletários dispostos a se juntar às linhas de frente para matar outros proletários. Mas para não repetir o erro histórico de armar trabalhadores às pressas e depois se deparar com essas armas apontadas para si mesma, como na Rússia de 1917 e na Alemanha de 1918, a burguesia precisa de garantias de que a consciência desses futuros soldados não sofrerá vacilações em prol de sua classe.

Nas décadas de 1990 e 2000 as democracias ocidentais se contentavam com a alternância de partidos do espectro socialdemocrata no poder, mantendo os trabalhadores apáticos e com fé nas instituições da conservação. Porém, agora há um conjunto massivo de proletários simpáticos a regimes totalitários e predispostos à violência em nome de interesses nacionais. Isso é de grande utilidade aos capitalistas, ainda que esses partidos políticos reacionários no poder gerem instabilidades pontuais na política e na economia.

A desmitificação do imperialismo e a correspondente erradicação do nacionalismo são um poderoso passo adiante, um tremendo incremento na consciência e, assim, no desenvolvimento do proletariado militante. A nova propaganda necessária para lograr isto nesta nova fase do capitalismo é uma das tarefas mais sublimes, delicadas e frutíferas que podem ser realizadas em favor do proletariado. Contra o nacionalismo, contra o imperialismo, pelo socialismo.” Herman Gorter 

As tarefas dos comunistas

A primeira tarefa dos que almejam a superação da sociedade de classes é conseguir apresentar ao conjunto da classe revolucionária uma leitura da realidade atrelada à materialidade. Assim, quando a esquerda do capital afirma que os salários diminuíram nas últimas décadas por causa de crises financeiras, temos que mostrar o real motivo: os proletários pararam de lutar. As conquistas de nossa classe dependem da nossa capacidade de resistir e fustigar coletivamente o capital. A jornada de trabalho de 8 horas, por exemplo, foi fixada pela primeira vez no México em 1917 e em seguida pela Alemanha em 1919, não porque esses países estavam bem economicamente, mas pelo contrário: porque tinham acabado de enfrentar tentativas de revolução que botaram o capital em xeque.  Além de não lutar mais enquanto classe, o proletariado parou de contar a própria história e transferiu essa narrativa a seus inimigos, ocultos e declarados.

Além disso, o que falta aos comunistas nesse momento de insatisfação com as condições de vida e descrença na democracia burguesa é a capacidade de sugerir projetos de uma nova sociedade ao proletariado e de esboçar instituições de organização social que permitam superar o capitalismo. Ou seja, como superar o Estado e esse modo de produção. A propagação dessas ideias é urgente, pois só com a radicalidade dos princípios comunistas conseguiremos vencer os extremismos capitalistas.♟