Na sua luta pela ascensão enquanto classe dominante a burguesia utilizou o nacionalismo como programa político. Desde a expulsão dos mouros da Europa, levando à criação de Portugal e Espanha, ela se utilizou dessa ideologia para arrastar para os seus interesses as classes dominadas. Mas foi durante as guerras de unificação europeias, principalmente a italiana e a alemã, que o nacionalismo se imbuiu da ideologia iluminista-liberal. Nessa época, Marx denunciava o caráter limitado das revoluções burguesas, mas percebia essas crises socialmente convulsionadas como uma oportunidade para o proletariado em movimento. Porém, após a morte de Marx, no interior da Segunda Internacional, houve uma forte guinada com o abandono do reconhecimento do caráter burguês da nação e, em consequência disso, de questão conjuntural passou a ser tratada como estratégica. Esta “virada” das instituições criadas pelo proletariado – partidos, sindicatos e internacional – foi tão profunda que possibilitou que o nacionalismo se enraizasse na subjetividade proletária a ponto de transformar aquelas instituições em expressões da esquerda do capital e culminasse no fenômeno do nacional-socialismo. Vejamos como isso se deu.
As origens comuns do nacionalismo e do estatismo no proletariado
A ideologia do nacionalismo no meio operário caminhou junto com a defesa do Estado. Engels, já criticava as correntes socialistas que enxergavam qualquer estatização como medida socialista no “Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”. Marx antes dele, na sua juventude, teve na questão do Estado um de seus principais pontos de ruptura para com as correntes hegelianas de esquerda. Compreenderemos melhor esse fenômeno tão estranho à classe, dentro da própria classe, se observarmos a sua manifestação mais radical: o fascismo. De base operária, o fascismo surge justamente quando a revolução desaparece do horizonte como alternativa social de emancipação incorporada pelas manifestações de luta coletivas e ativas. Derrotado, o proletariado incorpora o princípio representativo da democracia em sua essência e passa a substituir formas de luta autênticas e autônomas, pela passividade de delegar seu poder a especialistas da política e pela defesa das instituições do Estado.
Entre outros fatores, a esquerda do capital se originou a partir da ilusão de que participar em parlamentos, estatizar empresas e desenvolver a nação, seriam meios para se alcançar o comunismo. Isso resultou na inversão da relação entre o tático e o estratégico. As correntes que criticavam esta visão evolucionista e pacifista no interior da classe foram reprimidas e esmagadas por todos os regimes políticos do capital (democracia, fascismo e capitalismo de estado) e correntes políticas capitalistas (liberalismo, social-democracia, bolchevismo e fascismo). Uma derrota cara ao proletariado e que, mais tarde, deu as condições para o florescimento da forma mais ativa de nacionalismo no interior do proletariado: o fascismo.
Os horrores, a destruição da vida e a mortandade maciça de humanos causadas pelo nacionalismo fascista durante a Segunda Guerra Mundial deveriam ser suficientes para que o proletariado o erradicasse de seu meio. Contudo, se não se alteram as condições de derrota na luta de classes, uma outra consequência é que se passa a assumir interpretações da história simpáticas ao capitalismo. Uma perspectiva economicamente liberal e politicamente democrática que é antagônica à autogerida socialmente pelos produtores diretos e que, transposta para o terreno biológico, dá origem ao fenômeno do racismo.
Esse fascismo da primeira metade do século 20, pela sua capacidade de mobilização popular policlassista, foi capaz não apenas de transportar para o meio proletário os temas nacionalistas das esferas conservadoras mas também conferiu à direita do capital um dinamismo político que até aquele momento era a principal característica de um proletariado consciente. Isto significa que, diferentemente daqueles que interpretam o fascismo como um produto de “massas amorfas” ou algo externo ao capitalismo, o fascismo provém de massas que defendem de forma bem ativa o nacionalismo e seus valores.
Nacionalismo da direita e da esquerda do capital
A presença constante de bandeiras nacionais entre bandeiras vermelhas de diversos partidos da esquerda do capital não significa que haja um nacionalismo proletário. O que existe são proletários que abandonam a consciência de classe e assumem, para si, lutas burguesas, ao abandonar o horizonte comunista. O nacionalismo é apenas mais uma forma pela qual se manifesta o abandono nas lutas autênticas da classe.
Historicamente, foram raras as correntes ditas de esquerda que levaram a crítica ao nacionalismo às últimas consequências. Essa fragilidade teórica e prática possibilitou fenômenos curiosos como a transição de militantes da extrema-esquerda para a extrema-direita, sendo Mussolini o caso mais famoso. Ao mesmo tempo, esse nacionalismo contribuiu para disseminar no proletariado o ódio ao marxismo levado pelas camadas médias que se proletarizaram em razão do funcionamento normal do capitalismo e produziu nesses indivíduos uma subjetividade reacionária que as fez transferir seus ressentimentos econômicos para objetos não-econômicos. Um último fator que explica a aberração de um “nacionalismo de esquerda” teve origem na formação de frentes nacionalistas que uniam socialistas com industriais e financistas na Europa dos anos 1920/30.
A ideologia do “nacionalismo de esquerda” confunde conscientemente a luta contra as opressões nacionais com a defesa do nacionalismo. A luta deve ser contra as classes capitalistas que criam as opressões: burgueses e gestores. Ao argumentar que a defesa da nação, seus valores e seu Estado criam uma estrutura que nos protege a todos contra a agressão de outras nações, se apaga que a principal agressão – que gera todas as demais – é a exploração.
“O nacionalismo unifica os diferentes estratos sociais e as classes sociais antagônicas que se encontram dentro de dadas fronteiras, ou numa dada região e sonhando com fronteiras próprias. Deste modo cada nacionalismo faz pairar uma ameaça sobre outros povos, estimulando-os a apresentarem-se também como nacionalistas.” — João Bernardo
Nacionalismo no Brasil de hoje
No Brasil vivemos um momento bastante peculiar no que diz respeito ao nacionalismo. Por um lado tem-se o bordão “Brasil acima de tudo” e alinhado com ele atitudes e comentários hostis em relação a alguns estrangeiros: chineses, por exemplo, culpabilizando-os pela origem do coronavírus. Tais comentários, muitas vezes jocosos, visam ridicularizar o outro. O grande problema dessa prática, “oficializada” pelo governo, é que ela estimula a xenofobia, avalizando atitudes da população quando esta dirige ataques àqueles que chegam às nossas fronteiras. Sobretudo quando a questão das migrações é um dos grandes problemas da humanidade e com o desemprego batendo recordes a cada dia, a população imigrante (venezuelanos, haitianos, palestinos, sírios, senegaleses) ainda precisa enfrentar a falta de solidariedade.
Já por outro lado, o governo adota uma posição de absoluta subserviência em relação aos EUA e, entrega a preço de banana várias empresas brasileiras, fazendo o país retroceder à condição de mero fornecedor de matéria-prima. O ministro da economia e o presidente do Banco Central, nomeados pelos patriotas, preferem investir em paraísos fiscais a apostar no país. Diante desse cenário, pode-se inferir que o nacionalismo bolsonarista serve apenas para agitar a parcela autointitulada de “cidadãos de bem” que o apoiam vestindo verde e amarelo e tremulando a bandeira nacional. Na verdade não passa de um acobertamento do verdadeiro bordão do governo “lucro de uns poucos acima de tudo e o dinheiro acima de todos”.
“O nacionalismo é o meio ideológico de desviar um rancor de origem económica e social para um objecto que não só é completamente diferente dos objectos de rancor do proletariado industrial como, além disso, simboliza a mais vincada contradição com a consciência de classe do proletariado socialista” — Henri de Man
Combater o nacionalismo através do princípio internacionalista da classe
O combate ao nacionalismo dentro da classe se inicia pela reafirmação dos valores proletários e pelo uso das formas de lutas autônomas, autênticas, da classe em si, os quais recolocam no horizonte o comunismo. O internacionalismo consequente a essa postura pode se manifestar de diversas formas: a) greve em um país para apoiar movimentos em outros países; b) bloqueios e sabotagens na logística e produção de um país produtor visando impedir a saída de equipamentos de repressão e morte de outros proletários pelo mundo; c) organizar o envio de medicamentos e alimentos para proletários vítimas de boicotes internacionais em disputas burguesas nacionalistas; d) solidariedade com trabalhadores imigrantes, entre outras.
Nações são ficções jurídicas. O que existe materialmente são localidades geográficas e indivíduos com culturas comuns. O proletariado consciente deve combater de forma implacável qualquer ideologia que sirva para dividir, antagonizar ou isolar os vendedores de força de trabalho ao longo do globo, para que esse, um dia, seja autogerido em sua totalidade.♟