Os militares e a educação: negócios e doutrinação

Os militares e a educação: negócios e doutrinação

A pasta do Ministério da Educação sempre foi uma das mais cobiçadas dentro dos governos, pois, comparada a outros ministérios, reúne grandes volumes de verbas. Mesmo que insuficientes para garantir uma educação pública de qualidade, estes recursos financeiros possibilitam a distribuição de muitos cargos, sendo que os repasses de verbas para governos e municípios são uma fonte constante e garantida de poder e dinheiro Brasil afora. Assim, a comemoração em 2020 da “aprovação histórica” (499 votos a 7) do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) como permanente, sem mais necessidade de novas aprovações, pela Câmara dos Deputados, deveria vir acompanhada de senso crítico em relação aos variados usos desse fundo bilionário. A Educação agora tem 12% dos recursos da União, com projeção de 23% para 2026.

Na época, o consenso nacional era novamente sobre mais uma grande derrota para o governo Bolsonaro. O que acontece na prática é que essas verbas federais, repassadas para estados e municípios, são alvo constante de desvios e corrupções. Os “escândalos”, que são a regra, são abundantes.

Escolas cívico-militares: os militares querem dar aula?

A educação estatal tem sido historicamente objeto de disputa. Desde Escola sem Partido, ONGs que passaram a terceirizar oficinas de reforço ou complementação curricular, fundações e institutos que propõem conteúdos ou reformas educacionais nas redes. Mais recentemente, as escolas militarizadas surgiram como “solução” para a falta de estrutura e baixo desempenho das escolas municipais e estaduais. A proposta de criação de escolas cívico-militares define que estas terão um corpo militar de coordenação disciplinar e administrativa, formado por policiais militares, bombeiros ou oficiais da reserva. É uma aplicação forçada do projeto ‘Escola sem Partido’.

Os defensores das escolas cívico-militares gostam de citar os bons resultados e a ordem das Escolas Militares, mas há uma diferença fundamental: essas unidades, sob responsabilidade das Forças Armadas para a formação de futuros militares, investem em média R$19 mil anualmente por aluno. Já nas escolas civis o investimento é em média de R$6 mil por ano. O financiamento é um ponto fundamental, uma vez que mais de 54 milhões irão para escolas que visam implementar o modelo militar, fazendo com que muitas escolas com falta de estrutura sejam levadas a aderir a este programa para garantir verba. Este recurso, em grande parte, não se destina apenas à compra de livros, carteiras ou estrutura física da escola, mas também ao pagamento dos salários de militares da reserva alocados nas escolas. Milhões para militares que já se aposentaram e que nunca atuaram como educadores. Mas, para os gestores da área educacional, dados e avaliações rigorosas pouco interessam quando o objetivo é criar um modelo sensacionalista de gestão.

A disciplina não se aplica apenas aos alunos, mas também aos trabalhadores. É uma forma de romper as resistências em seus locais de trabalho através de códigos de conduta rígidos sobre os alunos e o reforço do assédio aos trabalhadores. O que se ataca aqui são a autonomia dos alunos na sociabilidade escolar, a autonomia dos trabalhadores da educação na sua resistência no trabalho e a autonomia dos responsáveis e moradores na gestão das escolas próximas. Além disso, a reserva de vagas dificulta o acesso de muitos e os custos também são limitantes. Trata-se de uma privatização parcelada, na tradição das concessões petistas e Organizações Sociais (OS). Inclusive foi sob o governo PT que as primeiras unidades saíram do papel: o governador da Bahia, Rui Costa (PT), já militarizou 83 escolas municipais em todo o estado e a parceria é anterior à eleição de Bolsonaro, já havendo 4 escolas militarizadas em 2018.

A militarização das escolas é vista como uma solução para escolas violentas, em locais de vulnerabilidade social. Ao mesmo tempo quem, na teoria, está cuidando da segurança na sociedade é a polícia e as Forças Armadas. A violência está na sociedade em que a escola está inserida. O proletariado anticapitalista não pode aceitar que a escola seja transformada em quartel, igreja ou empresa. Precisamos questionar os interesses aos quais essa educação serve e quem se beneficia com uma escola destruída ou controlada pelos militares.

A escola, ao ‘selecionar os chamados ‘melhores’ apenas ratifica uma seleção social preexistente, escolhe os escolhidos, confere poder simbólico aos que detêm poder real – é a função do ensino universitário e pós-graduado. Porém, a educação não pode estar acima do desenvolvimento econômico da sociedade global, ensinam os clássicos. Eis que o caráter elitista que ela toma é mera reprodução de uma sociedade diferenciada por classes e alta concentração de renda, onde os pobres não têm poder de barganha.” — Maurício Tragtenberg

Proliferação do EAD

Outro negócio milionário que tem ganhado cada vez mais espaço no Brasil e guarida do governo federal é o setor de ensino a distância. Expandido e consolidado nos governos do PT (#BB47), o EaD já ultrapassou o número de matrículas presenciais na educação brasileira. Ao mesmo tempo que funciona como uma alternativa para estudantes proletarizados, que não têm condições, materiais ou físicas, para trabalhar o dia todo e estudar à noite, o EaD oferece uma formação de notória baixa qualidade, o que perpetua fragilidade dessas camadas do proletariado na sua inserção no mundo do trabalho.

A pandemia e a nova ascensão do trabalho e estudo remotos acabaram por brindar esse ramo empresarial. Se por um lado os estudantes devem arcar com os custos de acesso ao conteúdo digital, livrando os empresários de fornecerem as instalações adequadas ao aprendizado, por outro, as aulas gravadas em vídeo, pagas ao professor uma vez pela sua produção, podem ser reproduzidas para quantas turmas e por quanto tempo a empresa achar viável, o que sub-remunera e favorece o desemprego. Além disso, programas de inteligência artificial têm sido utilizados para corrigir as avaliações dos estudantes, o que completa o circuito de “ensino e aprendizagem” e da precarização e desemprego. Por fim, esse cenário de isolamento de estudantes e professores dificulta possíveis lutas conjuntas.

A preocupação maior da educação consiste em formar indivíduos cada vez mais adaptados ao seu local de trabalho, porém capacitados a modificar seu comportamento em função das mutações sociais. Não interessam, pelo menos nos países industrialmente desenvolvidos, operários embrutecidos, mas seres conscientes de sua responsabilidade na empresa e perante a sociedade global.” — Maurício Tragtenberg

Pandemia e educação

Setores da sociedade, como a mídia corporativa, entidades empresariais, certos especialistas em educação e infelizmente alguma parcela dos pais e responsáveis passaram a culpar os professores pelo não retorno às aulas presenciais. Na verdade, os professores/as são submetidos a um regime de trabalho e exploração como os demais, ou seja, não têm poder imediato de decisão sobre o fechamento ou abertura dos seus locais de trabalho. Quem encerrou as atividades presenciais e quem determinou o retorno foram os governos. Os mesmos governos que abriram primeiro as igrejas, os shopping centers, os comércios supérfluos, os restaurantes e bares, etc., deixando as escolas como a última bolha de ausência de contato e contágio. A provocação que diz “por que os bares podem abrir e as escolas não?” já contém a resposta. As escolas não podem abrir justamente porque os bares já estão abertos.

Assim como é comum nas greves, as classes dominantes conseguiram jogar a população contra os trabalhadores em relação ao ensino presencial durante a pandemia. Se o papel dos capitalistas durante uma greve é influenciar a sociedade para mandar os trabalhadores de volta ao trabalho, na pandemia o mesmo se deu em relação ao proletariado da educação. Em vez de pressionar os patrões para atender as reivindicações dos trabalhadores e assim a greve terminar, agora ao invés de pressionar as autoridades por adequações e reformas nas escolas, compra de EPI’s para os funcionários e pela aceleração do programa de vacinação, simplesmente manda-se os professores retornarem às escolas.

Essa antiga guerra de desinformação e de inversão de posição só pode ser combatida a partir da união autônoma e independente entre toda a cadeia de explorados que atuam na educação, articulando suas pautas de reivindicação enquanto pautas que sejam sociais, ou seja, não apenas corporativas. A forma de atuação combativa precisa dialogar com o conteúdo reivindicado, para que as demais categorias da classe proletária se reconheçam nas lutas da educação.

Um exemplo recente na história do Brasil que precisa ser sempre lembrado foi o movimento das ocupações de escolas por estudantes em 2016 (#BB10). Em alguma medida, a articulação do famigerado Escola sem Partido e de diversos ataques violentos à educação de forma geral e aos educadores e estudantes em luta de forma específica, nasce nesse contexto de nova ascensão das lutas na educação. Dando um exemplo aos trabalhadores, aqueles estudantes ultrapassaram as burocracias estudantis e promoveram sua luta de forma independente.♟