Perfis da Esquerda Comunista: Karl Korsch

Perfis da Esquerda Comunista: Karl Korsch

O segundo número dedicado a esta série, apresenta aquele que foi o mais tardio dos principais teóricos militantes dessa corrente, Karl Korsch (1886-1961). Tardio no sentido de chegar às concepções da Esquerda Comunista Germano-Holandesa após ter passado por ondas de superação prática e política que começaram pelo socialismo fabiano, passando pela social-democracia e, por fim, pelo bolchevismo.

Biografia: uma trajetória peculiar

Filho de pais cuja origem era de médios proprietários rurais da Prússia alemã, Korsch se graduou em Direito e iniciou sua militância política durante os anos de universidade no movimento estudantil, onde tentou aproximar estudantes de operários e socialistas. Nesse período militou na juventude do Partido Social Democrata Alemão (SPD), porém sem se filiar. Em 1912, mudou-se para a Inglaterra, lá permanecendo até o início da II Guerra Mundial em 1914, quando foi chamado para servir no exército alemão.

Por ter sido totalmente fora do padrão esperado para um militar, sua participação na guerra merece destaque: a) enviado para a Bélgica, atuou decididamente contra a guerra, colocando-se o objetivo de fazer retornar para seus lares o maior número possível de pessoas do seu regimento ao invés de tentar matar o máximo de pessoas; b) recebeu a patente de tenente e em 15 dias foi rebaixado para sargento por protestar contra a invasão da Bélgica, um país neutro, pela Alemanha; c) se impôs a tarefa de evitar que o exército saqueasse a população belga, fazendo que seus colegas pagassem pelo que pegassem; d) durante toda a guerra não portou fuzis e sabres, alegando que ali, ninguém estava seguro por estar armado; e) combinou coerência ideológica com bravura no campo de batalha ao se voluntariar para patrulhas – foi condecorado apenas pelo fato de voltar delas com vida -, redigir informes e relatórios de qualidade e fornecer ideias sobre deslocamento de tropas; f) em 1918, fruto do prestígio conquistado por sua postura, foi promovido a capitão e, com o início da Revolução Alemã, eleito para o conselho de soldados, embora dela não tenha participado diretamente por sua unidade ser do interior. Essa experiência prática dos Conselhos, o marcaria para sempre.

De 1919 a 1933, Korsch se filiou ao USPD, uma cisão à esquerda do SPD e defendeu que o USPD se fundisse com o Partido Comunista da Alemanha (KPD) em 1920. Eleito deputado estadual pela Turíngia em 1920 e deputado federal em 1924, foi ministro da justiça por seis meses do governo USPD/KPD na Turíngia, fruto de um levante revolucionário. Expulso do KPD em 1926, publica a Revista “Política Comunista” até 1928. Nessa época já era considerado um dos maiores especialistas em Marx de toda a Alemanha. Parte para o exílio em 1933 com a ascensão de Hitler ao governo federal.

“Não se pode protestar contra uma realidade simplesmente em nome de um princípio abstrato. Hoje não existe em nenhum lugar do mundo uma organização de proletários com inclinação revolucionária, ou mesmo uma ‘direção’ que realmente encarne em si a revolução como um ideal subjetivo (…).” Karl Korsch em carta a Paul Mattick (1935)

De 1934 a 1961, leva uma vida conturbada e ao mesmo tempo muito prolífica em termos de produção intelectual, pois embora não se firme financeiramente, produz seus principais escritos. Em 1936 emigrou para os EUA, seu último país de residência. A partir daí, os temas do fascismo e da contrarrevolução se tornam centrais em suas preocupações. Em 1957, foi acometido de uma esclerose que o deixou, até sua morte, em um hospital psiquiátrico. Seu legado foi avaliado de modo contraditório. Alguns consideraram que estava a frente de seu tempo e seus escritos continuam desafiando o pensamento crítico, enquanto outros disseram que o pensamento de Korsch foi problemático e não realizou uma análise da realidade com base em dados empíricos. Para avaliar seu legado, deve-se antes verificar quais foram seus pontos de partida e sua concepção de marxismo.

Premissas e concepção de marxismo

Para proceder a um exame da teoria marxista no sentido de verificar a sua validade para a luta do proletariado, Korsch partiu dos seguintes pontos: a) não existe uma essência humana universal separada da criação de um indivíduo por meio de relações sociais em que se insere; b) todas as questões sociais são concebidas em termos de uma época histórica definida (especificidade histórica); c) a generalização pode ser alcançada a partir das pesquisas das formas históricas; d) o estudo das sociedades passadas fornece exemplos de sociedades totalmente não burguesas, o que significa que pode haver uma sociedade futura totalmente não burguesa; e) o movimento coletivo do proletariado tem por objetivo promover as condições sociais, independente da relação com o Estado, para incentivar o desenvolvimento integral das pessoas; f) estabelecer a relação entre forças produtivas e relações de produção evitando cair no economicismo e no sociologismo; g) a base econômica e a superestrutura jurídico-política não são meramente uma relação de causa e efeito ou a segunda  apenas o reflexo da primeira.

Assim, Korsch entendia o marxismo de modo não dogmático, o que para ele significava que: a) todas as suas proposições são específicas; b) o marxismo não é positivo e sim crítico; c) enquanto teoria o marxismo não pretende abarcar tudo, mas sim os fenômenos e interrelações da vida histórica e social, o que não se estende para as ciências naturais; d) o adepto do marxismo deve subordinar o conhecimento teórico aos fins da ação revolucionária.

“O autêntico objetivo final da luta de classe proletária não é um dado Estado, por mais ‘democrático’, ‘comunal’ ou ‘conselhista’ que seja, mas a sociedade comunista sem classes e sem Estado, cuja forma de conjunto não é representada por este ou aquele poder político (…).” Karl Korsch

Porque Korsch é importante?

Porque ele demonstrou a ligação direta que existe entre escolhas metodológicas e escolhas políticas. Por revelar quando o marxismo se transforma em mera cobertura ideológica para posições capitalistas tomadas em nome do proletariado. Ao deixar fixado que o movimento histórico é formado pela articulação permanente entre base econômica (materialidade) e superestrutura (subjetividade), Korsch pode libertar o marxismo da armadilha dogmática. Foi Korsch quem demonstrou que não se pode realizar a revolução proletária com parâmetros válidos para a revolução capitalista. Pioneiro ao identificar que autogoverno proletário não é a mesma coisa que forma institucional do comunismo. Sua definição de socialização permitiu eliminar as ilusões com o pequeno capital (empreendedorismo, agricultura familiar). Devemos a Korsch o decisivo complemento de que não basta entregar os meios de produção aos produtores diretos, é preciso incluir os usuários dos produtos e serviços produzidos, além de fornecer a crítica a políticas de governos atuais que diminuem a pobreza mas aumentam a desigualdade. Sua crítica ao verbalismo fornece os meios para combater na atualidade correntes políticas que buscam colocar peso na linguagem, a distinção entre enfrentamento teórico e enfrentamento de teorias, o elemento ativo como critério da verdade, entre tantas que não é possível enumerar por razões de espaço.

Por tudo isso, Karl Korsch permanece com seu lugar assegurado entre as grandes referências para um proletariado que pretende abrir caminho rumo ao comunismo.♟