Entre os meses de julho, agosto e setembro, organizações da socialdemocracia realizarão o “Plebiscito Popular 2025”, uma coleta informal de votos sobre o fim da jornada de trabalho 6×1 e isenção tributária de imposto de renda sobre salários de até cinco mil reais. Que interesses tal iniciativa expressa e como ela pode impactar a vida do proletariado?
Os organizadores
Na página do Plebiscito afirma-se que ele é organizado por “Movimentos Sociais, Sindicatos, Partidos, coletivos de juventude, de artistas e religiosos”. Trata-se da exata base que fundou o PT há 45 anos, agora com quase nenhuma conexão com os locais de trabalho, estudo e moradia. Movimentos sociais que já não levam multidões às ruas, ao contrário, quem fez isso nos últimos anos foi a extrema-direita. Sindicatos perdidos em suas estruturas burocráticas e financeiras, e que na ausência de lutas autônomas que possam ser enquadradas ou desmobilizadas, já perderam sua utilidade até para os capitalistas. Uma juventude que cresceu enxergando o PT no poder e que, ou o identifica com tudo o que considera injusto, ou se afastou de qualquer protagonismo na política. Artistas com pouquíssima relevância no cotidiano da maioria da população, que em sua maioria consome entretenimento em suas telas de celulares e só se permitem influenciar por famosos de internet com discursos patrocinados pelo capital, como a ideologia do empreendedorismo, por exemplo. E por fim, religiosos isolados em congregações tomadas por um reacionarismo que se infiltra em cada aspecto da vida material do proletariado.
Se esses movimentos realmente tivessem a força e a capacidade de articulação política que os organizadores desta iniciativa supõem, já teriam tomado as ruas, parado fábricas e escolas e imposto suas vontades sobre o Congresso Nacional e o Presidente, independente de quem fosse. Mesmo não ocorrendo tais movimentações, se as propostas dos partidos da esquerda do capital realmente espelhassem a opinião da maioria do eleitorado, já teriam maioria no legislativo para aprovar os dois assuntos. Num cenário ainda menos otimista, ao menos conseguiriam ter aprovado no Congresso a realização de um plebiscito oficial, com o consequente cumprimento do resultado por parte do Estado.
A fase 1 desse plebiscito meramente simbólico prevê a “criação de comitês populares, coordenações estaduais e mobilização nas bases”, a fase 2 é a coleta de votos e a fase 3 consiste na entrega do resultado ao Presidente, ao Congresso Nacional e ao STF, ou seja, tudo terminará com a entrega de uma “cartinha” aos Três Poderes, garantindo que os votantes permaneçam apáticos, na esperança de dias melhores. Tal iniciativa, ao menos servirá para revelar a inexpressiva capacidade política dessas “bases” da socialdemocracia brasileira, que só propõem a discussão dessas duas pautas por apostarem na incapacidade do proletariado se auto-organizar em torno delas e ameaçar o capital.
Redução da jornada de trabalho
A primeira pergunta proposta é “Você é a favor da redução da jornada de trabalho sem redução salarial e do fim da escala 6×1?”. Ora, considerando que cerca de 100 milhões de brasileiros são vendedores de força de trabalho, sendo 39 milhões com carteira de trabalho assinada, é razoável esperar que a maioria dos votantes seja a favor. Qual trabalhador não desejaria trabalhar menos horas sob o mesmo salário?
A obviedade das perguntas só mostra o desespero dos organizadores em garantir um resultado positivo, ao contrário dos plebiscitos e referendos oficiais já realizados, que apresentavam temas realmente controversos no cenário democrático burguês, como a escolha entre parlamentarismo e presidencialismo em 1993, e o referendo sobre o desarmamento em 2005.
Outro aspecto que demonstra a falta de visão de classe é permitir que qualquer um do povo vote em um assunto que só diz respeito aos trabalhadores, quando são esses que devem elaborar e decidir sobre suas pautas, como jornada de trabalho e aumento salarial. Trata-se de permitir, em tese, que burgueses e gestores também votem, embora minoritários numericamente. Acham que assim convencerão os capitalistas a concederem tal melhoria aos proletários? Uma ideia típica de quem acredita na conciliação de classes.
“A democracia, em sua essência, consiste em que as massas operárias se vejam deslocadas do terreno político.” — Anton Pannekoek
Reforma no imposto de renda
O segundo quesito é “Você é a favor de que quem ganhe mais de 50 mil por mês pague mais imposto de renda para que quem recebe até 5 mil por mês não pague?” Mais uma vez, considerando que 90% dos brasileiros ganham menos de R$3.500,00 por mês, não parece haver dúvida sobre qual seria a resposta da maioria da população. Assim, é flagrante a inutilidade da realização de uma consulta popular sobre um assunto do qual já se conhece a resposta.
A isenção de imposto de renda sobre salários de até 5 mil reais foi promessa de campanha de Lula em 2022, e até agora o único avanço parece ter sido esse falso plebiscito. Além disso, note-se que a proposta é apresentada de forma condicionada à taxação de quem ganha mais de 50 mil por mês, apesar de no site da organização do plebiscito constar “queremos que os bilionários paguem a conta”.
Tal condicionamento é claramente uma preocupação governamental com o equilíbrio das contas públicas, e não com a renda dos trabalhadores. Trata-se da garantia do arcabouço fiscal, que substituiu o teto de gastos, mas que igualmente tenta controlar gastos com políticas públicas e programas sociais para garantir o pagamento de 68% das receitas da União para os parasitas credores da dívida pública. Trata-se também de uma manobra eleitoreira, de tentar demonstrar que Lula está do lado das pessoas de baixa renda contra os que recebem altos salários.
Ocorre que tal discurso de divisão de classe considerando-se a faixa de renda, e não a função exercida na produção, ignora a existência tanto de proletários que recebem altos salários, como de muitos gestores com salário inferior a 5 mil reais mensais. Também não se pode ignorar o fato de que, na prática, os proletários pagam todos os impostos existentes, já que toda riqueza sequestrada pelo estado é gerada pelo proletariado.
“As concepções teóricas dos comunistas não se baseiam, de modo algum, em idéias ou princípios inventados ou descobertos por tal ou qual reformador do mundo. São apenas a expressão geral das condições reais de uma luta de classes existente, de um movimento histórico que se desenvolve sob os nossos olhos.” — Karl Marx e Friedrich Engels
Luta de classes levada a sério
Em conclusão, para evitar maiores desgastes políticos com o Congresso, o PT se esconde atrás das organizações sociais que domina, pedindo para que a população diga o óbvio sobre possíveis melhorias, renove sua fé nas instituições burguesas e incremente os índices de popularidade de Lula para 2026. O resultado do plebiscito pouco importa, o PT é uma agremiação de gestores do capital cujo interesse real é convencer a burguesia de sua eficiência em administrar a economia e eventuais conflitos de classe. Para o governo Lula o ideal seria nem precisar tocar nesses temas que considera espinhosos, já que dividem o “povo brasileiro”, mas os utiliza para tentar se diferenciar da direita ao menos no plano do discurso, já que em termos práticos está cada vez mais difícil.
O proletariado consciente jamais pode se colocar a serviço de seus inimigos de classe, de modo que a participação nessa farsa promovida pela socialdemocracia significaria brincar com temas históricos que já custaram a vida de muitos camaradas em lutas sangrentas. A conquista de melhores condições salariais deve ser obra do próprio proletariado, e não uma promessa de esmola política que nunca se concretiza. Arrancar conquistas das mãos dos capitalistas nunca foi fácil, por que é que agora seria?
Nesse cenário, podemos utilizar tais pautas como mote para criar nossas próprias instituições de debates e decisões, nas quais só os proletários possam votar, travando lutas que tomem as ruas e desafiem a lógica do capital. É preciso pensar além de reformas jurídicas, úteis para a materialidade da classe, mas que posteriormente poderão ser revogadas conforme a conjuntura político-partidária.♟