O capitalismo já não consegue mais resolver as contradições ambientais em escala mundial. Os cientistas não conseguem consenso sobre a escala dos problemas e suas consequências. Pesquisas são apresentadas para embasar políticas completamente opostas que vão desde o catastrofismo religioso até a sustentação de um mundo sem grandes problemas ambientais.
Nesse cenário que divide os capitalistas, o governo Bolsonaro já garantiu aos extrativistas e ruralistas: esse governo é de vocês! Seguindo essa diretriz, o Ministério da Agricultura realizou a maior liberação de uso de agrotóxicos da história do país e o Ministério do Meio Ambiente perdoou bilhões de reais em multas e ainda extinguiu o Fundo Amazônia, que financiava a fiscalização e o combate a incêndios na região. Já o Ministério da Justiça de Sérgio Moro retirou a Força Nacional da região de Novo Progresso-PA, deixando o IBAMA sem condições efetivas de combater os desmatadores incendiários que promoveram o “dia do fogo” e geraram, em apoio ao governo, o maior incêndio criminoso já registrado na região amazônica, destruindo uma área equivalente a 4,2 milhões de campos de futebol.
Assim, o Governo Bolsonaro em poucos meses já demonstrou sua sanha contra a visão científica de mundo. Ao mesmo tempo que entregou a mais alta honraria da Ordem de Rio Branco para um astrólogo e youtuber, radicado nos EUA, Olavo de Carvalho, Bolsonaro já desqualificou publicamente os serviços científicos de instituições como IBGE, INPE, FioCruz, entre outras. Juntamente com essas, os alvos prediletos nos últimos meses, mas já antigo na trajetória de deputado federal do atual presidente, têm sido o IBAMA e o ICMBio. O presidente e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ambos já indiciados por crimes ambientais, respectivamente por pesca ilegal e adulteração de mapa ambiental técnico, defendem a exploração capitalista da Amazônia e das terras indígenas demarcadas. Essa defesa é falsa porque o capitalismo já está em toda parte do Brasil, bem como nas terras amazônicas, onde o desejo do atual governo é que ela se dê via acordos bilaterais com o governo e empresas dos Estados Unidos, como a Blackstone.
O reconhecimento social e público dessa visão de Bolsonaro/Salles/Guedes é tamanho que em sua homenagem e apoio, garimpeiros, grileiros, sindicalistas e fazendeiros promoveram uma sequência de queimadas organizadas cercando a Floresta Amazônica, demonstrando o ímpeto de avançar a exploração mata adentro. Ou seja, o atual governo é de fato antiecológico e já tem um amplo movimento social que o apoia, já que não é de hoje comum ouvir no folclore popular que o IBAMA atrapalha o desenvolvimento, atrasa regiões, tira empregos, etc.
Essa ideologia — que nasce nas empresas e fazendas e acaba reproduzida pela boca de quem não tem nem empresa nem fazenda — ganhou força e adeptos graças às políticas ambientais das últimas décadas, que buscaram uma face humana e ecológica para a exploração capitalista da natureza (capitalismo verde). Esses verdadeiros amigos do capital e falsos amigos da natureza defendem, entre outras medidas, a manutenção de grandes áreas intocadas não como reserva biológica vital, mas como reserva de valor para ser utilizada quando conveniente. E mais, a forma de utilização futura não difere em nada da lógica atual que extrai da natureza muito mais do que o necessário. Essa política preservacionista, para o capital do futuro, já é uma das diversas oposições das classes dominantes que o governo Bolsonaro enfrenta, inclusive por setores do próprio agronegócio brasileiro exportador.
“A defesa da vida no planeta não se consegue nem pelo abandono das técnicas modernas (aliás esse mítico retorno a um passado de simplicidade seria bem menos bucólico do que imaginam os seus adeptos), nem pela limitação da produção, ideia abstrusa quando há centenas de milhões privados de tudo. Equilíbrio natural, solidariedade, bem-estar, harmonia, estarão ameaçados enquanto a espiral de acumulação do capital envolver a humanidade nos seus tentáculos. A degradação acelerada do meio ambiente é um entre vários sinais de alarme a anunciar a inviabilidade da atual organização social […].” — Tom Thomas
Como enfrentamento a esses ataques ao meio ambiente, revigora-se o velho movimento ecológico que, incapaz e sem vontade de superar a lógica do lucro, acaba defendendo uma ecologia que é apenas a socialização da miséria, ou seja, para os ricos abundância, para os demais moderação do já pouco. Em resposta ao fato de a minoria burguesa se apropriar das tecnologias para seus próprios fins, os discursos ecológicos alheios a qualquer noção de luta de classes se limitam a demonizar as tecnologias e o desenvolvimento em si. Dele, saem exemplos como a ativista ambiental sueca Greta Thunberg, que baseia seu ativismo em um retorno às tecnologias arcaicas; haja vista sua última viagem de 15 dias até Nova Iorque a bordo de um veleiro, quando incentivou o uso de transportes não emissores de carbono. Ora, se os trabalhadores vão ao trabalho caminhando ou pedalando não é por “consciência ambiental” ou “uberização verde”, mas por precariedade, e isso não deve ser romantizado. Afinal, enquanto cobram “sustentabilidade” dos trabalhadores, os exploradores, do homem e da natureza, dormem tranquilos sonhando com a exploração de reservas ambientais.
Logo, devemos ser contra a ecologia política. Na esfera civilizacional, uma vez que ela é contrária à industrialização e à sociedade urbana que hoje se constituem como pilares fundamentais para o desenvolvimento de tecnologias que além de permitirem a abundância, tempo livre e conforto, elas mesmas solucionam problemas ambientais. Nesse aspecto são nítidos os avanços desde máquinas agrícolas de alta precisão (aplicam somente onde e o quanto necessário), outras que capturam os resíduos sólidos no oceano até a tecnologia baseada na produção de energias alternativas (metano, solar, eólica, biomassa etc.) — e que muitas vezes não são implantadas ou melhor desenvolvidas justamente porque existem interesses capitalistas na produção energética defasada, caso do bolsonarismo/trumpismo. Enquanto esses setores do capital travam guerras comerciais entre si, os grandes centros de pesquisas científicas seguem a serviço do capital global, inacessíveis ao resto da humanidade, gerando patentes e segredos industriais.
“A disseminação da ideologia ecológica, propagandeada de maneira maciça por todos os meios de informação, corresponde a uma fortíssima e permanente pressão para a redução do consumo particular. Onde antes os trabalhadores consideravam a melhoria do seu nível material de vida como uma prova do sucesso das suas reivindicações políticas e sociais, agora os ecológicos pretendem culpabilizá-los por essas conquistas e convencê-los de que por comerem mais, vestirem melhor, gastarem mais sabão e viverem mais desafogadamente põem em risco o planeta. A abundância passou a ser considerada como negativa e propõe-se o ascetismo de massas como a meta a atingir.” — João Bernardo
É preciso também negar o movimento ecológico na esfera econômica, uma vez que leva direta ou indiretamente ao agravamento da exploração. No capitalismo, a elevada produtividade cria as condições da mais-valia relativa e a baixa produtividade impõe a mais-valia absoluta. Esse é o impasse da agroecologia e agricultura familiar, por exemplo, que contam com longas jornadas de trabalho, sem horários fixos e com um cálculo de custos de produção que exclui uma parte considerável do esforço da família como um todo, incluindo crianças, jovens e idosos. Nesse cenário é perceptível que os ambientalistas se preocupam muito com os efeitos da tecnologia capitalista no exterior das fábricas e das fazendas, mas em nada com os seus efeitos da exploração humana no interior delas. Assim, negligenciam a realidade do proletariado rural, precarizado e muitas vezes submetido a regime análogo à escravidão. Quando da liberação indiscriminada dos agrotóxicos por parte do Governo Federal, muito se falou sobre a piora na qualidade dos alimentos e o risco de poluição de mananciais, mas pouco se ouviu sobre os trabalhadores obrigados a manejar esses pesticidas: 78% deles sem qualquer instrução técnica e 52% sem nenhum tipo de proteção individual.
O capital tenta nos fazer crer que existem apenas dois olhares possíveis sobre os recursos naturais: de um lado o desenvolvimentismo a qualquer custo e de outro uma preocupação ética e legalista com a preservação do meio ambiente. Ambos são discursos ideológicos, ou seja, da ordem dominante, que se traduzem em distintos nichos de mercado e respectivas bancadas parlamentares. Logo, qualquer visão sobre o meio ambiente que não seja a do proletariado auto-organizado está fadada a reproduzir a lógica predatória e irresponsável do capital. Apenas quando a gestão da produção da vida material estiver nas mãos de quem realmente a produz, em escala global, pela primeira vez na história será possível tomar decisões enquanto espécie humana. Se desde as primeiras tentativas históricas de emancipação o proletariado tivesse sido vitorioso, extraindo da natureza para o necessário, o tempo livre e o conforto, e não para o lucro, o polêmico cenário de apocalipse ambiental que a própria cultura dominante alardeia seria inimaginável.♟