Programa “Escola sem partido”: caça aos que lutam na escola

Programa “Escola sem partido”: caça aos que lutam na escola

Nos encontramos em um momento de crescentes disputas políticas em nosso país, o que tem ensejado o surgimento cada vez maior de tentativas de tornar juridicamente ilegal lutar, criticar ou pensar contra o estado atual da sociedade. Essas ofensivas reacionárias buscam tornar o capitalismo e suas vertentes como únicos e inquestionáveis, propondo uma ditadura em forma jurídica.

Uma das formas mais claras desse movimento antiproletário e (até mesmo anti social-democrata) se encontra na tentativa de criação de um projeto de lei que torne crime que professores deem “suas opiniões” dentro de sala de aula, para que estes não influenciem alunos, ou “manipulem” suas mentes. São sem fim as razões de críticas a essa lei, que são capazes de demonstrar a sua verdadeira essência: tornar crime pensar contra o capitalismo e tornar os alunos meros reprodutores do sistema capitalista, sem uma compreensão completa do seu papel dentro da sociedade.

É importante então mostrarmos de onde parte essa visão totalmente limitada, na qual os defensores de certas leis enxergam o ensino das teorias críticas como doutrinamento e, o de empreendedorismo, como algo natural. Esquematicamente, podemos dizer que defendem os fundamentos dos ideais liberais e sobretudo conservadores, tendo como base os fundamentos das ciências naturais. Esta foi concebida como sendo a única modalidade do conhecimento válida, portanto universal e verdadeira, sendo capaz de substituir a compreensão de mundo antes pautada nos ideais religiosos e da metafísica.

A sua principal característica se encontra na compreensão do mundo através do experimental e matemático, que partindo de uma análise do atual, identificado através da ação e reação é possível se estabelecer um entendimento dos diferentes fenômenos que explicam o universo. Enquanto tais leis são extremamente eficazes para se entender a física, química e outras ciências exatas, estas mostram-se extremamente incapazes para o entendimento global do ser humano em sociedade (moderna, industrializada, complexa, etc.). É diante dessa lacuna que nascem as ciências humanas, pois um ser genérico e complexo não pode ser entendido apenas através de suas ações e reações do presente. O que a visão liberal e conservadora nos quer fazer crer é que o ser humano é um ser regido pelas leis da natureza (ou até mesmo divinas, do ponto de vista da bancada evangélica-católica), que determinam a sua maneira de ser enquanto essência atemporal e pré-social.

Essa é a base do desenvolvimento das teorias liberais que não visualizam o homem como um ser complexo, que tem o seu condicionamento social baseado no seu desenvolvimento histórico, o que evidencia que nossos comportamentos e entendimentos atuais são constantemente construídos pela nossa sociedade moderna e capitalista. A partir desse primeiro entendimento percebemos que se o homem não é por natureza capitalista, podemos compreender que não interferir criticamente na formação de uma pessoa e não expor diferentes teorias que demonstram essa complexidade da vida humana é na verdade o real doutrinamento, em curso desde que há escola e universidade moderna. Dessa forma, exclui-se do aluno a capacidade de poder compreender que vivemos em um modelo social que não é único e nem estático na história, mas que é na verdade um resultado de uma conformação histórica, que pode e deve ser mudada.

O problema educacional, tal qual é usualmente detectado, o é na aparência. Na realidade, ele é a forma aparencial de algo essencial: as determinações econômicas que regem a lógica das classes, transmutadas em lógica de poder e legitimada pelo aparelho escola, através do fornecimento de uma educação diferencial.” — Maurício Tragtenberg

Ou seja, “Escola sem partido” é na verdade a escola do pensamento único, que já tomou seu partido de classe, pois retira do ensino a possibilidade de apresentar ao alunado conteúdos e críticas que ultrapassam o ideal de neutralidade do ser humano, ideais estes que levam a conclusões desastrosas, como à xenofobia, ao nacionalismo, ao racismo, sexismo e outros. Aliás, se o doutrinamento “de esquerda” nas escolas fosse um fato concreto, contundente, não seriam todos os jovens de hoje socialistas? quando vemos na realidade o individualismo, o egocentrismo, o ressentimento e o fetiche da ascensão social?

Maurício Tragtenberg afirma que a escola é o espaço de reprodução ideológica do capitalismo por sua estrutura e disciplina fabril, mas no espaço escolar também existe a possibilidade da crítica ao próprio sistema capitalista. O projeto da “Escola sem partido” quer é extinguir esse espaço da crítica ao sistema capitalista, excluindo do espaço escolar a possibilidade de mostrar a sua dinâmica histórica. Isso fica comprovado quando os defensores do projeto de lei acusam os professores de doutrinação feita pelo “Marxismo Cultural” ou “Ideologia de gênero”.

O pensamento marxista em todas suas vertentes sempre teve como objetivo a crítica ao sistema capitalista, por isso é um alvo fácil ou o principal alvo dos grupos de direita que encabeçam o projeto. É interessante destacar que o termo “Marxismo Cultural” tem suas origens na Alemanha dos anos vinte. Heinrich Himmler, comandante militar da SS e um dos principais líderes do Partido Nazista alemão, junto com Gregor Strasse, outro líder do Partido Nazista, fundaram em 1928 a “Sociedade Nacional-Socialista de cultura alemã” que tinha como sua principal missão lutar contra o que eles chamavam de “bolchevismo cultural”.

Os pegagogos, sem esquecer das pedagogas, que horripilados e horripiladas lançam mãos aos cabelos pelo fato de os alunos saírem do ensino secundário sabendo ler e escrever cada vez pior, ignoram que para os capitalistas a alfabetização verdadeiramente importante consiste em tornar os jovens hábeis no manejo dos instrumentos eletrônicos (…)” — João Bernardo

É importante ainda identificar quem são as forças apoiadoras desse atual projeto. Os parlamentares da família Bolsonaro e toda extrema-direita, caricata mas atuante; o Instituto Millenium, que tem como missão disseminar ideias de uma sociedade com liberdade civil, direito à propriedade privada e a economia de mercado, ou seja, valores intrínsecos da sociedade capitalista. Por outro lado, a Fundação Unibanco, o Instituto Lemann (AMBEV) e a Associação Brasileira de Escolas Particulares, que se posicionaram contra o projeto, sabem que diante de um capitalismo dinâmico e avançado é necessário que se conheça todos os pontos de vista dos debates sociais, culturais e econômicos.

O projeto “Escola sem partido” lança a educação e a sociedade brasileira em uma idade das trevas, onde reinará o cerceamento do pensamento revolucionário ou crítico, de tal modo que a doutrinação real de ideologias religiosas e do empreendedorismo – trazidas como supostos consensos atemporais e universais – continuarão gozando da sua liberdade irrestrita. Esse projeto de lei é perigoso principalmente para as escolas públicas, onde está a maioria dos filhos da classe proletária, pois a medida tem como seu principal foco alienar duplamente o proletariado (material e subjetivamente). No estado de Alagoas, o projeto foi aprovado com o nome “Escola Livre”; nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná há professoras que sofrem processos de exoneração por “doutrinação ideológica”, movidos por apoiadores do projeto de lei.

Professores/as já foram afastados e só retornarão às suas atividades devido à solidariedade ativa de alunos, responsáveis e professores combatendo essa medida. É necessário que a classe proletária se organize para barrar tal projeto e impedir todas as tentativas do capitalismo de naturalizar suas relações sociais.