Reforma Política: o outro lado da mesma moeda

Reforma Política: o outro lado da mesma moeda

Louvada sem rigor crítico por diversos setores da sociedade, a Reforma Política é na verdade uma pauta permanente da democracia brasileira e seus governos. Ambição da era FHC, Lula e Dilma, essa palavra mágica para solucionar crises agora é bradada até mesmo por organizações ditas de esquerda. O argumento apresentado é que tal reforma irá aproximar os eleitores dos eleitos. Logo, trata-se mais uma vez de aprimorar a própria democracia, conforme diretriz do próprio então governo Dilma: “incentivo à participação popular para que haja uma reforma política que fortaleça as instituições”.

A palavra democracia permite múltiplos usos ideológicos. Em sua ambiguidade pode designar desde um governo em que o povo exerce a soberania, passando por definir um sistema político em que os cidadãos elegem os seus dirigentes por meio de eleições periódicas; até significar um regime em que há liberdade de associação e de expressão e no qual não existem distinções ou privilégios de classe hereditários ou arbitrários. As características desse regime no capitalismo são: mandatos representativos, separação entre as funções de poder (legislativo, executivo e judiciário), eleições periódicas, regras definidas e inscritas em leis (Estado Democrático de Direito).

Embora seja o regime político que oferece as melhores condições para o proletariado se organizar no interior da sociedade capitalista, não possibilita o reconhecimento da divisão em classes antagônicas (absorvendo-as sob a forma da cidadania), nem se presta para uma sociedade sem classes (pela presença de instituições imprescindíveis ao seu funcionamento que são igualmente imprescindíveis para a sustentação do capitalismo, tais como o Estado e o direito).

Parlamentarismo, máquina partidária, métodos de organização autoritários e centralizadores, técnica de agitação e propaganda, estratégia militar, tática de compromissos, racionalizações e ilusões metafísicas e irracionais – tudo isto a social-democracia recebeu do rico arsenal da burguesia.” — Otto Rühle

Com a promulgação da Constituição de 1988, a conjuntura das lutas proletárias no país exigiu que se elaborasse um sistema eleitoral e político aparentemente plural, que garantisse o máximo de diversidade possível no teatro representativo da democracia burguesa. Se por um lado ajudou a seduzir parte do proletariado e a moderar suas pautas, esse mesmo sistema criou entraves burocráticos aos próprios interesses do capital. Por exemplo, em 1986, início da redemocratização, eram 12 os partidos com assento no parlamento. Hoje são 26. Enquanto José Sarney dependia apenas de seus correligionários para aprovar um projeto de lei complementar, Michel Temer precisa atrair o apoio de mais de meia dúzia de legendas.

Tratando de reformas constitucionais, uma dezena delas não basta para garantir uma votação sem sobressaltos. A proliferação de partidos não dificulta só a governabilidade. Para um eleitorado atordoado, é cada vez mais penoso, quando não inútil, identificar algum conteúdo programático em meio à sopa de letras e siglas. Dessa forma, até mesmo do ponto de vista da estratégia dominante são bem-vindas as iniciativas para impor alguma racionalidade ao quadro partidário.

Proposta de emenda constitucional com tal fim foi aprovada pelo Senado e, agora, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Um de seus aspectos mais polêmicos consiste na cláusula de barreira, mecanismo que retira prerrogativas das siglas que não obtiverem ao menos 2% dos votos nas eleições para deputados em 2018, distribuídos em um números mínimo de Estados.

Devido à estrutura política e à mecânica de sua luta de classes, os países democráticos são forçados a conceder certas liberdades ao proletariado, o que lhe permite continuar a lutar à sua maneira. […] os movimentos proletários dos países democráticos mudam de foco e deixam de lado a luta contra a democracia.” — Otto Rühle

Estas perderão o acesso a recursos orçamentários e à propaganda financiada pelo contribuinte na TV. Inibe-se, assim, a sustentação de agremiações nanicas dedicadas a explorar o comércio parlamentar de apoios, enquanto se espera que outras, representantes de nichos ideológicos – o que não significa que também não façam uso da mesma estratégia – tornem-se tendências em partidos maiores ou cresçam até merecer algum amparo do Estado. Note-se que a regra está longe de ser severa. O percentual exigido de sufrágios, que subirá a 3% em 2022, poderia chegar aos 5% já praticados em países como a Alemanha.

Porém, sob o argumento de acabar com os partidos nanicos, ou de aluguel, que muitas vezes atrasam e pulverizam a aprovação das reformas da agenda burguesa e gestora, a cláusula de barreira também vai acabar atingindo duramente setores da esquerda do capital, pois boa parte dos partidos políticos que se vendem como representantes dos interesses proletários no parlamento, historicamente obtiveram desempenhos pífios nas urnas e agora tendem a ser excluídos por completo das disputas eleitorais.

Assim como na reforma trabalhista, em que o sindicalismo de estado viu ameaçada sua tão preciosa contribuição sindical, agora é o braço parlamentar dos falsos amigos do proletariado que está prestes a sofrer um golpe de misericórdia. A própria burguesia parece lhes dizer que não são mais necessários para dar legitimidade ao jogo democrático.

Todo esse pacote de reformas em pauta no Congresso objetiva livrar o capital do ranço de concessões que teve de fazer ao proletariado quando este se mostrava combativo nas fábricas e nas ruas. A esquerda social-democrata já cumpriu seu papel de levar as demandas proletárias para o campo institucional e jurídico, neutralizando-as por meio de sindicatos, partidos políticos, etc. Com o fim de um ciclo histórico de lutas que ameacem de fato o capital, essa esquerda perde sua utilidade no parlamento e, isolada, não passa de um conjunto de pequenos empecilhos.

O capital percebeu que o momento atual lhe é favorável para aprofundar a extração da mais-valia e para isso é preciso “colocar ordem na casa”. Ou seja, nos momentos de crise, quando os capitalistas estão mobilizados para reformar o sistema econômico a seu favor, a população é orientada pelos mesmos a reformarem o sistema político, instrumento exatamente criado para garantir a estabilidade jurídica da classe dominante. É nesse sentido que, enquanto proletários/as, entendemos que qualquer aspecto da Reforma Política que vise melhorar a democracia, é na verdade o outro lado da mesma moeda que visa melhorar a nossa exploração (Reformas da Previdência; Trabalhista; Terceirização; Ensino Médio). Ao invés de aproximar os eleitores da democracia, as reformas políticas pretendem aprofundar a sua própria natureza, que é aproximar empresas e Estado até tornarem-se uma única coisa. ♟