Reforma Trabalhista: três perspectivas, três resultados (parte I)

Reforma Trabalhista: três perspectivas, três resultados (parte I)

A reforma trabalhista retomada pelo Governo Temer tenta realizar sob argumentos ideológicos (operação de ocultamento) um antigo e permanente desejo de qualquer capitalista: elevar o processo constante de acumulação de capital pela via da redução de custos com a força de trabalho, evitando assim a tendência à diminuição das taxas de lucro.

Deixemos de lado a ideologia e a chantagem ao proletariado contida em argumentos do tipo “a reforma trabalhista é necessária pois atualiza uma legislação engessada dos anos 40 e assim geraria mais empregos”, “a CLT tornou-se pouco eficaz em seu objetivo de proteção ao trabalhador”, “a CLT não dá o peso necessário à vontade dos trabalhadores expressa nas convenções e acordos com as empresas” ou “é preciso diminuir o número de conflitos trabalhistas para que os direitos dos trabalhadores sejam mais respeitados”. Vejamos, a partir da perspectiva da luta de classes, o que se esconde por trás desses argumentos.

Antes de tudo vale frisar que desde a sua criação a CLT foi – e continua sendo – integralmente patronal. Nunca protegeu o proletariado. As sentenças que proletárias/os obtêm com base nela se devem ao descumprimento da lei por parte do empresariado, que sequer a obedece nas relações de trabalho. Ela serviu para enquadrar a força de trabalho impedindo ganhos acima da lei, sem falar na eliminação da auto-organização proletária ao estatizar os sindicatos.

Em sua mensagem ao Presidente Temer, o Ministro do Trabalho enumerou os objetivos dessa reforma trabalhista: 1) aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores (leia-se: capitalistas chamando o proletariado para a luta de classes); 2) atualizar os mecanismos de combate à informalidade da mão-de-obra (sic) no país (leia-se: ampliar o assalariamento das classes exploradas e com isso fazer finanças para o Estado); 3) regulamentar a Constituição Federal na parte que assegura a eleição de representante dos trabalhadores na empresa, para que possam se entender diretamente com os empregadores (leia-se: ampliar para as empresas as possibilidades legais de pacto social aumentando as possibilidades de corrupção de parcelas do proletariado além da corrupção das diretorias de sindicatos), e 4) atualizar o trabalho temporário (leia-se: aprofundar a precarização e a subcontratação chamada – popular e confusamente – de “terceirização”).

Um homem que não tem tempo livre de que disponha, cuja vida inteira – afora as interrupções meramente fisicas, pelo sono, refeições, etc – esteja absorvido pelo seu trabalho para o capitalista, é menor que uma besta de carga. É uma mera máquina de reproduzir riqueza alheia, derreada no corpo e embrutecida no espírito.” — Karl Marx

O primeiro objetivo é para fazer valer o negociado sobre o legislado. Se posicionar sobre isso fora da luta de classes deixa o proletariado consciente em um “beco sem saída”. Na década de 1980, quando as lutas econômicas do proletariado no Brasil viveram um momento de ascenso, o patronato lutou arduamente pelo inverso: fazer valer o legislado sobre o negociado, sob o singelo (leia-se: ideológico) argumento de que “as reivindicações dos trabalhadores são justas, mas eu não posso aceitá-las sem descumprir a lei”. Agora, que já se conseguiu eliminar qualquer vestígio de organização autônoma nos locais de trabalho e com o sindicalismo tendo voltado a ficar inteiramente conformado com a sua estatização (coisa que havia ensaiado romper na década de 1980), o patronato sabe que pode reduzir custos com força de trabalho abaixo do mínimo legal. Ou seja, em 1980 a lei garantia que a força de trabalho não ficaria mais cara. Hoje ela atrapalha que fique mais barata. E tem mais sobre este primeiro objetivo.

Prossegue o ministro em sua mensagem a Temer: “Categorias de trabalhadores como bancários, metalúrgicos e petroleiros, dentre outras, prescindem há muito tempo da atuação do Estado, para promover-lhes o entendimento com as empresas. Contudo, esses pactos laborais vêm tendo a sua autonomia questionada judicialmente, trazendo insegurança jurídica às partes quanto ao que foi negociado. Decisões judiciais vêm, reiteradamente, revendo pactos laborais firmados entre empregadores e trabalhadores, pois não se tem um marco legal claro dos limites da autonomia da norma coletiva de trabalho.” Eis o reconhecimento de que a parcela da classe que se organiza no modelo do capitalismo sindical (como é o caso das categorias citadas) está madura para fazer pactos com o capital e que o modelo getulista revela seu aspecto de inutilidade pois foi criado para proteger o patronato da luta autônoma ao atuar como “juiz” da luta de classes ao mesmo tempo em que enquadra a força de trabalho para que dela se extraia mais-valor. Sem lutas autônomas, da estrutura getulista se destaca apenas o lado paternalista que não se justifica manter.

O proletariado é revolucionário ou não é nada.” — Karl Marx

Por ser mais breve, passemos ao terceiro objetivo. O interesse do capital fica límpido quando o ministro especifica o que espera com a medida: “O representante dos trabalhadores no local de trabalho deverá atuar na conciliação de conflitos trabalhistas no âmbito da empresa, inclusive os referentes ao pagamento de verbas trabalhistas periódicas e rescisórias, bem como participar na mesa de negociação do acordo coletivo de trabalho com a empresa.” Ou seja, é menos custoso corromper indivíduos do que burocracias sindicais consolidadas. E para quem tem dúvidas de que lado na luta de classes está o sindicalismo e a social-democracia de base operária, o ministro chega a ser didático ao afirmar: “A experiência européia demonstra a importância da representação laboral na empresa. Países como Alemanha, Espanha, Suécia, França, Portugal e Reino Unido possuem há vários anos as chamadas comissões de empresa ou de fábrica. A maturidade das relações de trabalho em alguns países europeus propicia um ambiente colaborativo entre trabalhador e empresa, resultando na melhoria do nível de produtividade da empresa.” Observem que não apenas a forma sindicato, mas também qualquer outra forma que não seja instituída pelo próprio proletariado em luta se volta contra os seus interesses. O texto do ministro nos permite entender claramente a diferença radical entre “organização proletária” (auto-instituída) e “organização para proletários” (hetero-instituída). No capitalismo qualquer hetero-organização é antiproletária e reacionária. Cabe alertar aqui que, para uma organização servir para o proletariado anticapitalista – no presente e no futuro – não basta ser criada de forma autônoma. É preciso que continue autônoma, sem ser absorvida e incorporada pelo Estado.

No próximo número do Boletim Batalhar analisaremos os outros dois objetivos do governo com essa proposta de reforma trabalhista e destacaremos algumas de suas medidas concretas para atingi-los.♟