Tanto no plano local quanto internacional, o ano de 2017 foi marcado por fatos que revelam a crise ou o fim de um ciclo de poder da social-democracia internacional, a ascensão das várias espécies de direita e o aprofundamento de ataques combinados ao proletariado.
No maior centro do capitalismo mundial, a vitória de Donald Trump gerou um choque de realidade nos democratas que – crentes no potencial falsamente progressista do legado de Obama com suas tímidas reformas na área da saúde e de direitos civis – na prática pioraram as condições de vida do proletariado estadunidense, gerando um terreno fértil para a penetração de discursos nacionalistas e retrógrados entre trabalhadores/as dos polos produtivos dos EUA (vide BB nº15).
Porém, tal avanço da extrema-direita apenas reforçou um fenômeno já observado em várias partes do mundo. De um lado, a esquerda tradicional se perde pautando cidadania, identitarismo e ecologia – esforçando-se para melhor gerir o capital – e acaba sugada pela burocracia estatal e, quase sempre, envolvida em escândalos de corrupção. Do outro, conservadores, liberais e fascistas emergem falando da materialidade da vida do/a trabalhador/a, atrelando-a a discursos nacionalistas, racistas e religiosos (vide BB nº21).
A América Latina também vivencia esse processo, que parece refletir uma nova ofensiva de capitalistas privados internacionais contra os últimos focos de reformismo estatizante, ideologicamente chamado de esquerda. Afinal, apenas às classes dominantes (burguesas ou gestoriais) de regiões/países com certo nível de desenvolvimento capitalista – expresso na inter/transnacionalização de suas economias – torna-se possível praticar uma política imperialista. Seja por meio do “mercado” ou aumentando a intervenção de seus Estados. Seja extraindo mais-valia relativa (aumento da intensidade do ritmo de trabalho) ou extraindo mais-valia absoluta (aumento da produtividade, geralmente incorporando novas tecnologias) do proletariado mundial.
Enquanto na Argentina as urnas deram o resultado que capitalistas esperavam, e no Brasil foi preciso fabricar um impeachment, na Venezuela o impasse entre os grupos capitalistas evolui para uma situação de guerra civil. Como visto, o governo Chávez se fantasiou de socialista revolucionário para implementar tímidas mudanças de caráter burguês com um discurso de aliança de classes, ao passo que seu sucessor teve que lidar com o colapso da economia local causado pela queda dos preços do barril de petróleo e a consequente piora das condições de vida do proletariado. Mais uma vez a velha direita tradicional foi às ruas se apresentar como opção para “recuperar a economia” (vide BB nº22).
Este quadro geral ajuda a explicar por quê a atual equipe econômica do Estado brasileiro, sentindo-se sem oposição autenticamente classista, ataca com veemência as poucas garantias legais que ainda restavam ao proletariado. Um dos protagonistas desse projeto, o atual ministro da Fazenda e ex-ministro de Lula, Henrique Meirelles, afirmou publicamente no final de 2016 que era preciso se inspirar no modelo asiático de crescimento econômico, e que a hora trabalhada deveria se tornar mais produtiva e mais barata.
Seguindo essa cartilha, foi aprovada uma reforma trabalhista selvagem, que precariza o trabalho e o salário, reduz as horas de descanso, fraciona a jornada, dificulta o acesso do trabalhador ao judiciário trabalhista e pune em caso de não procedência dos seus pedidos. Assim, alegando que a CLT é arcaica por ser da 1ª metade do século XX, as condições de trabalho do proletariado são levadas de volta ao século XIX.
“A consciência de fazer explodir o continuum da história é própria às classes revolucionárias no momento da ação. A Grande Revolução introduziu um novo calendário.” — Walter Benjamin
Como nem tudo está seguramente dominado por capitalistas, o ponto da reforma que tira a obrigatoriedade da contribuição sindical – secando assim o financiamento compulsório dessas estruturas que parasitam a classe proletária – pode forçar o proletariado a se auto-organizar para lutar por seus interesses nos locais de trabalho. Tal medida conseguiu desviar a atenção das Confederações Sindicais, silenciando-as quanto ao resto do texto da reforma para que, nos bastidores, negociassem com o governo a volta da mencionada contribuição.
Outro ataque feroz foi o projeto de reforma da previdência, que, entre idas e vindas, emendas e vetos, se tenta aprovar no início de 2018, por exigência de capitalistas do setor financeiro internacional. Manipulando dados para fundamentar argumentos como os de existência de déficit e colapso no sistema previdenciário estatal a reforma quer, basicamente, aumentar o tempo de contribuição e a idade para as modalidades de aposentadoria. Tal desmonte do sistema previdenciário estatal cumpre ditames do capitalismo central e teve início em 1998 na gestão FHC, aprofundado em 2003 na administração Lula (vide BB nº16 e 17).
Também esteve em pauta no Congresso a reforma política, aprovada no mês de outubro, que já começará a valer paras as próximas eleições. Agora, será preciso ter um desempenho eleitoral mínimo para ter acesso ao bilionário fundo partidário. Os partidos da esquerda tradicional bolchevique (PCB, PSTU e PCO) tendem a ficar ainda mais marginalizados na democracia e os chamados “nanicos” (leia-se fisiológicos sem qualquer definição programática) tendem a desaparecer, pois perderam utilidade para o capital, ao cumprirem a tarefa de instrumentalizar e burocratizar as pautas do último ciclo histórico de lutas do proletariado (vide BB nº19).
Um exemplo bem claro da realidade da condição proletária no Brasil – cada vez mais precarizada pelas ofensivas do capital e falsa oposição que a socialdemocracia oferece – ficou evidenciado nas revelações sobre o funcionamento da indústria frigorífica no país. A carne é o terceiro maior item de exportação brasileiro, sua fabricação envolve um verdadeiro massacre de trabalhadores, expostos a jornadas exaustivas com movimentos repetitivos em meio a maquinário de corte e ambiente asfixiante e gélido, resultando em mutilações e graves doenças musculares e psicológicas (vide BB nº20). Diante de um nível atroz de extração de mais-valia, quando a esquerda do capital não está sendo financiada por esse setor, está abraçada a bandeiras antiproletárias como reforma agrária e cooperativismo camponês, construindo organizações anticomunistas como MST e Via Campesina, além de frentes amplas dedicadas a frear o radicalismo das massas (vide BB nº7).
“Há homens que lutam um dia, e são bons; há homens que lutam por um ano, e são melhores; há homens que lutam por vários anos, e são muito bons; há outros que lutam durante toda a vida, esses são imprescindíveis.” — Bertold Brecht
Mas como o capital não exerce hegemonia apenas no campo econômico, o conservadorismo, ligado aos setores religiosos, conquistou no STF o direito de introduzir o ensino confessional e interconfessional (hegemonicamente cristão) na rede pública de educação fundamental de todo o país. Além do projeto Escola Sem Partido, essa é mais uma ferramenta para impedir o desabrochar do pensamento revolucionário no proletariado, e que começou a ser gestada no governo Lula via acordo com o Vaticano (vide BB nº24).
Além dos avanços institucionais da exploração e da opressão, cabe destacar como o capital e a direita vêm lutando no Brasil em diversas frentes, não apenas por vias institucionais, mas também pelo enfrentamento direto. Institucionalmente, por exemplo, já conquistaram o direito de ferir os direitos humanos na redação do ENEM (defender formas pré-democráticas de justiça – linchamento, mutilação, pena de morte, etc.), ao mesmo tempo que têm sabotado ocupações estudantis, greves de trabalhadores/as e até mesmo aulas de professores/as, quando esses/as já não foram afastados ou exonerados por retaliação ideológica/política. Ou seja, com ou sem Bolsonaro ou Huck presidente, a direita luta de todas as formas e continua vencendo. E a dita esquerda?
O ano de 2018 trará novos ataques e falsas polarizações para dissolver a consciência e a organização de classe, enquanto a realidade material continuará provando que a socialdemocracia, seus sindicatos, partidos e frentes amplas não são instrumentos de luta para o proletariado, mas sim de apaziguamento das revoltas. ♟