Ucrânia: 8 anos de alianças entre a social-democracia e a extrema-direita

Ucrânia: 8 anos de alianças entre a social-democracia e a extrema-direita

Não pela pela primeira vez a Ucrânia está no centro de um conflito internacional que pode desencadear um evento militar de grandes proporções para o leste europeu e toda Europa. No jogo do imperialismo, onde o proletariado sempre perde, esse país hoje é um reduto de ideais e práticas reacionárias com potencial de se tornar exemplo para capitalistas de outras nações.

Durante o inverno de 2013 até 2014 a Ucrânia tornou-se palco de protestos e manifestações efetivamente violentos e aparentemente radicais. Grupos organizados atacaram órgãos públicos, de imprensa e até mesmo políticos profissionais foram fisicamente agredidos. Em poucos dias, praças inteiras foram completamente tomadas, transformadas em centros de resistência e luta contra as forças policiais do Estado, especialmente na Praça Maidan, da capital Kiev. Este aparente cenário de confrontação direta contra a ordem dominante era na verdade a face visível de um amplo movimento de extrema-direita, treinado, financiado e apoiado por forças democráticas internacionais. Mais uma vez em nome do combate à corrupção, um governo inteiro foi derrubado, mas com ele foram censuradas e brutalmente reprimidas diversas forças políticas e sociais de esquerda, levando-as à ilegalidade e/ou clandestinidade.

A dimensão dessa repressão ganhou face histórica na cidade de Odessa. Na 2ª Guerra Mundial, em 1941, Odessa foi o palco de um grande massacre romeno/nazista contra judeus. Em 2014, em um conflito civil entre manifestantes, 48 militantes de esquerda, ativistas antifascistas e mesmo funcionários da sede de um sindicato, rotulados pela imprensa democrática apenas como “separatistas pró-Russia”, foram impedidos por forças paramilitares de sair de um prédio em chamas, sendo assim assassinados.

Em seguida, ficou também evidente mais uma vez o papel geopolítico e estratégico neste violento conflito. Após a derrubada do governo ucraniano de 2014, a OTAN conseguiu ampliar e expandir sua presença militar e logística no território deste país que possui longa fronteira com a Rússia. Esta anexou a região da Crimeia e deu suporte para a autoproclamação das repúblicas de Donbass e Lugansk após o golpe. Aquilo que foram protestos em praças públicas escalou para uma guerra civil, entre a Ucrânia e estas regiões, que contabiliza mais de 30 mil mortos.

O papel da social-democracia internacional no Golpe de 2014 da Ucrânia

Em 2014 o governo dos Estados Unidos era composto pelo segundo mandato de Barack Obama e Joe Biden. Diante da localização estratégica da Ucrânia e de um então presidente parceiro da Rússia, os Estados Unidos e a Europa não mediram esforços para derrubar o governo ucraniano. Para tal, apoiaram variadas forças organizadas de extrema-direita da Ucrânia. É importante lembrar que neste momento, quando as democracias ocidentais articulam tal golpe, não existe ainda a ascensão global da extrema-direita. Ou seja, o evento “Revolução” na Ucrânia em 2014, que conta com documentário simpático na Netflix (e com um crítico do produtor Oliver Stone), foi a ponta de lança dessa ascensão que, em nome do “combate à corrupção do governo”, se deu com amplo suporte de governos sociais-democratas. O papel ativo de Joe Biden no golpe ucraniano já possui elementos admitidos em livro, “Promete-me, papai”, pelo próprio atual presidente dos EUA, quando relata sua “insistência” para a renúncia do então governo de Yanukovich.

Os aprendizados diante deste recente conjunto de fatos internacionais foram novamente negativos. Diante das eleições dos EUA de 2020, diversos setores e personalidades da esquerda do Capital no Brasil declararam apoio dogmático ao candidato Joe Biden que seria, diante dos governos Trump e Bolsonaro, um “sopro de esperança da democracia”.

“A ofensiva do poder bolchevique contra o anarquismo e o socialismo prestou naquele momento um grande serviço aos contra-revolucionários estrangeiros, cujos exércitos penetraram sem dificuldade no território revolucionário da Ucrânia e de lá desalojaram rapidamente todos os destacamentos combatentes revolucionários dirigidos por anarquistas, socialistas-revolucionários ou mesmo alguns raros bolcheviques.” — Nestor Makhno, 1928 – Pelo 10o Aniversário do Movimento Insurrecional Makhnovista na Ucrânia

O legado do levante reacionário da Ucrânia

Milícias neonazistas organizadas desde a 2ª Guerra Mundial e que lutaram no golpe de 2014 foram posteriormente incorporadas em instituições militares da Ucrânia, bem como forças políticas e paramilitares recentes, Sektor Prav e o batalhão Azov, que tiveram seus membros promovidos a cargos estatais. Hoje, tais movimentos tornaram-se exemplo moral, estético e paramilitar para a extrema-direita internacional.

Assim como os fascistas e neonazistas ucranianos receberam apoio logístico e treinamento militar de diversos países do ocidente democrático, estes tornaram-se referência para demais levantes reacionários em outras partes do globo, promovendo intercâmbio entre movimentos de cunho paramilitar.

“Indivíduos e grupos supremacistas brancos nos Estados Unidos estabeleceram uma rede de ligações informais com grupos semelhantes na Europa, online e pessoalmente. A Ucrânia permanece, como evidenciado em documentos judiciais e nas redes sociais, o destino favorito de muitos estadunidenses e europeus supremacistas brancos” — Centro de Combate ao Terrorismo da Academia Militar dos EUA de West Point – abril de 2020

Ecos no Brasil da barbárie ucraniana

Em recente entrevista ao portal liberal “O Antagonista/Crusoé”, o ex-juiz, ex-ministro e atual presidenciável Sérgio Moro declarou que a Ucrânia é um “case” de combate à corrupção, ou seja, um exemplo.

Moro chama o golpe nazi-fascista de “Revolução da Dignidade” e o elogia por ter criado anos depois uma “Corte Superior Anticorrupção”. Moro defende então a implantação de uma brasileira, sendo que tal corte seria composta por juízes com “vocação na área”, indicados também por “especialistas da comunidade internacional”.

Com o velho discurso monotemático de “combate à corrupção”, que beira ao consenso no senso comum, tal combate pode ganhar adaptações e elasticidades para punir praticamente qualquer tipo de “delito”. Ou seja, uma corte paralela poderá reprimir o que entender que seja necessário ser combatido, bastando classificar o inimigo e suas práticas como “corruptos”. Semelhante ao “combate ao terrorismo” nos últimos 20 anos nos EUA.

Diante do programado esgotamento político do governo Bolsonaro, a pré-campanha eleitoral do Lula/PT acena novamente para suas bases sociais históricas, com promessas de reversão da Reforma Trabalhista (BB 17 e 18) e de privatizações. Amplos setores sociais do Brasil foram “enganados” (também cooptados) pelos governos PT e suas promessas e bandeiras históricas. Agora, em vez de aprofundar a crítica e romper com as ilusões, estes mesmos setores serão mobilizados para evitar uma reeleição de Bolsonaro ou a ascensão do neofascista Sérgio Moro. A história já nos ensinou mais uma vez que o proletariado não tem lado nesta disputa.

Todavia é evidente, desde a Ucrânia, mas também até o Brasil, que a classe proletária enquanto sujeito histórico e autônomo está ainda fora de capacidade diante destas poderosas forças em conflito. Isto não significa que nossas poucas energias devam estar a serviço de um lado ou de outro. Enquanto reaprendemos a resistir e a nos organizar enquanto classe, ao mesmo tempo é necessário saber analisar os impactos negativos de todos avanços reacionários, diretos e indiretos, que têm tem afetado até mesmo a existência física e empírica da classe social capaz de transformar a realidade para a superação de uma sociedade de classes.♟