Venezuela: capitalistas à beira da guerra civil

Venezuela: capitalistas à beira da guerra civil

Da perspectiva do proletariado com consciência de classe anticapitalista, posicionar-se sobre um processo como o que se desenvolve na Venezuela requer entender corretamente suas características. Isto significa limpar o entulho ideológico com que direita e esquerda tradicionais tentam “poluir” a atual conjuntura, com o objetivo de angariar apoio social internacional para suas respectivas ações políticas. Para tanto, faz-se necessário conhecer seus personagens.

Após a tentativa fracassada de golpe militar em 1992, o tenente-coronel Hugo Chávez enfim chegou ao poder em 1998, por uma eleição que canalizou na institucionalidade o descontentamento massivo que havia culminado no Caracazo nove anos antes; ele apoiou-se na promessa de reduzir a pobreza e de travar uma luta nacionalista contra o imperialismo estadunidense. E, como ‘para quem tem fome não há pão duro’ – conforme provérbio venezuelano – Chávez teve seu apoio eleitoral e nele foram depositadas esperanças de pessoas que careciam de recursos e serviços básicos. Logo em seguida, a social-democracia de outros países tentou enxergar no caudilho um novo cavaleiro da esperança, um mensageiro de um suposto socialismo do século XXI, por meio de uma “revolução bolivariana”.

Ocorre que o próprio Bolívar não foi um revolucionário: ao mesmo tempo em que combatia o imperialismo espanhol, se curvava ao britânico. Tampouco no chavismo havia algo de socialista ou de século XXI: tratava-se da velha política de aliança de classes do século XIX. O objetivo de Chávez, na melhor das hipóteses, era uma Venezuela capaz de exercer seu próprio imperialismo. Era então preciso reduzir a miséria e o analfabetismo de seus trabalhadores, assim como Bolívar libertava escravos para alistá-los na linha de frente das batalhas que comandava.

Além disso, são notáveis nos processos revolucionários históricos diversas conquistas praticamente imediatas (vide Rússia, China e Cuba). Já na Venezuela, são quase vinte anos de governo do PSUV e não é identificável uma mudança radical na estrutura social e na vida das pessoas. E, na contramão, quando movimentos proletários autônomos tomam parte, o mesmo Estado não tarda em fazer uso de sua força militar para manter a ordem institucional e reprimi-los.

Como exemplo, é válido memorar que durante o governo chavista, em 2009, a polícia do estado venezuelano de Anzoátegui assassinou dois operários que participavam da ocupação de uma montadora da Mitsubishi, a MMC. A mobilização dos trabalhadores ocorria em solidariedade às centenas de demissões que estavam ocorrendo na empresa terceirizada, que prestava serviços para a fábrica em função da anulação de um acordo entre patrões. Um episódio similar ocorreu em 2014, no governo de Maduro, quando 5 estudantes foram mortos nas intervenções policiais durante ocupações, em resposta aos cortes de gastos do governo em serviços básicos, nas Universidades de Caracas. Em discurso, Maduro alegou que as mortes foram ocasionadas pelos próprios estudantes ou então que os policiais responsáveis eram infiltrados da ‘ultradireita fascista’, que visa desbancar seu poder. Afinal, todo projeto de união nacional e de classes precisa de um grande inimigo comum.

O que Bolívar realmente almejava era erigir toda a América do Sul como uma única república federativa, tendo nele próprio seu ditador.” — Karl Marx

Do outro lado, não menos importante nesse cenário, atua a ONG Provea (Programa Venezuelano de Educação e Ação em Direitos Humanos) se destacando como principal fomentadora da oposição a Maduro. Em seu site, a ONG anuncia o que eles chamam de “cooperadores”: a embaixada britânica, a Fundação Ford, a Fundação da Sociedade Aberta George Soros (financiadora de partidos de oposição de direita), que servem como abastecedores ideológicos e financeiros dos movimentos de oposição ao “chavismo”. Assim, seguindo a lógica corporativa das organizações não governamentais da Venezuela e do mundo, ela cumpre as exigências daqueles que os financiam. Nesse ínterim, em seu discurso recheado de apelos à democracia e aos direitos humanos, a ONG clama por intervenção internacional e, recentemente, do Papa.

Logo, não se pode desprezar o fato que em um país onde carecem recursos básicos para sua própria população, surjam manifestantes com imensas e belas bandeiras nacionais, escudos personalizados e máscaras de gás cinematográficas. É evidente que esta oposição nas ruas da Venezuela não expressa a posição política daqueles que sobrevivem da sua venda de força de trabalho. Essa cilada histórica tem constantemente se oferecido ao proletariado na dinâmica das lutas sociais e especialmente nas de caráter geopolítico.

O governo de Maduro está moribundo em termos políticos, desde 2014 o preço do barril de petróleo vem entrando em colapso, afetando toda a economia do país, reduzindo o poder aquisitivo dos trabalhadores e aumentando os níveis de desigualdade. Isso representa um prato cheio para a ação organizada da direita venezuelana enquanto fantoche de interesses do capitalismo internacional, de olho em reservas de petróleo que ultrapassam as da Arábia Saudita e ávido para bradar mais um fracasso de um mais um suposto socialismo. Tal ativismo parece obedecer a um procedimento padrão de intervenção externa para colocar fim a governos populistas, que combinaram desenvolvimento capitalista nacional via mercado e via estado (apenas as nações já desenvolvidas podem fazer tal opção), permitindo certo avanço nos países de capitalismo menos desenvolvido. No Brasil, por exemplo, foi necessário fabricar o impeachment da herdeira do lulismo, ao passo que na Argentina o próprio eleitorado pôs fim à dinastia Kirchner por meio das urnas.

A confusão do político com afectivo, que ameaça todos os grupos, constitui o grande risco do totalitarismo. A política exercida com a razão é o antídoto do fascismo, que sempre se apresenta como uma teoria da emoção” — João Bernardo

O proletariado deve estar atento a este discurso associado ao povo e às camadas populares. Afinal, o povo (sociedade civil) está dos dois lados na Venezuela. Quem não está em nenhum deles é o proletariado. A defesa da democracia e dos direitos humanos é mais um artifício do capitalismo intervencionista: foi em nome da democracia e dos direitos humanos que os genocídios e invasões do Iraque, do Afeganistão e da Líbia foram consumados. Internamente, o discurso dos direitos humanos, que busca constantemente substituir o imaginário crítico comunista, serve como elemento de coesão social contemporâneo.

Independentemente de políticas públicas e assistencialismos que os governos de cunho chavista promovam, estes continuam a favor da dominação do capitalismo e, como qualquer outro Estado, a Venezuela faz uso de sua força como forma de repressão. Do outro lado da mesma moeda, tampouco a oposição liberal/conservadora, financiada pelas principais potências mundiais, representa os interesses dos/as explorados/as. Isso demonstra que a polarização direita-esquerda é falsa e que, na mesma medida, a dita esquerda é simétrica no que tange ao controle social das lutas e da hegemonia de governo. Logo, atesta-se que o bolivarianismo e sua oposição não visam, como meio ou menos ainda como fim, a autonomia proletária.♟